Por João Carlos de Queiroz – Uma motocicleta mini-enduro, da marca Yamaha, 50 cc chegou a ser meu transporte regular durante anos nas boas terras mineiras. Maquininha que empinava fácil, mesmo na segunda marcha. Comprei-a zero km na Valdeir Móveis, única loja de Montes Claros que, em meados dos anos 70, comercializava produtos de duas rodas não tão robustos…
Além de econômica, a valente mini-enduro propiciava seguro ingresso em terrenos não propícios a tráfego de máquinas que exigem equilíbrio. Foi assim que viajei muitas vezes até Pires, Coração de Jesus e Lapa Grande com ela. O sinuoso cascalho era cortado feito navalha pelos pequenos pneus granulados, apropriados a trilhas.
Interessante é que, hoje, as 50 cc não têm essa mesma potência, quedando-se ante qualquer rampa, nem precisa ser íngreme. Mas a mini-enduro era diferente: subia todas audaciosamente, até mesmo com garupa pesado, ameaçando suas famosas empinadas quando a manete de aceleração injetava mais força.
Certa vez, fui até o sítio da família Queiroz em Pires, estradinha cheia de altos e baixos. Primeiro, na ida, descemos a serra (eu e Eduardo Pastinha), apelido que o amigo ganhou pela sua franja exagerada. Então, descendo, chegamos à barranca funda do capãozinho, e aí pensei que a pequena valente não venceria a rampa seguinte, após transpor o atoleiro do úmido túnel de mato. Pois a moto nanica subiu roncando, fumegante, e assim chegamos ao sítio do primo Nem.
Já na volta, comentei que não tinha lá tanta certeza se conseguiríamos subir a serra de acesso à BR-135, de quase dois quilômetros, cascalho solto… Então dei gás na Yamaha 50 cc, mantendo marchas fortes, primeira e segunda, e esta foi outra boa surpresa que ela me reservou: a serra foi vencida, e a pequena moto empoeirada desfilou solene pela rodovia até Montes Claros…
Quando visitei Coração de Jesus, quis dar uma de malabarista de motocicletas e me dei mal: caí na praça principal, enroscando a calça na corrente. Um dos dentes cortou meu tornozelo, dor atroz… Mas a moto foi e voltou sem problemas, sempre deixando rastro azulado de óleo dois tempos atrás de si…
Foi com ela que conquistei muitas garotas, rodando chique pela área central da cidade, após o matinê das 16h no Cine Montes Claros. As meninas ficavam encantadas com a pequena veloz, pois a mini-enduro tinha torque robusto à menor aceleração. Daí as empinadas que mencionei. Se facilitasse…
O charme da Yamaha mini-enduro transcendia mesmo o de outras motos maiores existentes na cidade naquela época, e eram poucas. José Luiz tinha uma Honda CB 500, quatro cilindros, amarela, linda, e uma vez não resistiu à tentação de testar a mini no regresso de Engenheiro Navarro, festa de fazenda. Eu adorei a idéia, pois embarquei na Honda e sumi do mapa BR afora. Quase já perto de Montes Claros, parei para esperar José Luiz, o que demorou um bocado. Mas ele disse ter sido uma experiência maravilhosa, sentiu-se novamente criança, apesar dos 45 anos…
Também sofri vários acidentes com ela, e ela veio ao chão após emprestá-la a amigos e ao meu irmão mais velho. Uma vez, quando a deixava no pátio do prédio dos bancários, na Rua Dom Pedro II, centro de Montes Claros, ela foi surrupiada durante a madrugada e devolvida antes do dia amanhecer, totalmente avariada, setas e farol. O ladrão passeou, caiu e devolveu.
Em Belo Horizonte, quase matei de raiva a minha madrinha: levei a moto para retificar o motor na capital, embarcando-a no caminhão baú da Transportadora Expresso Mineiro, empresa em que meu pai trabalhava. Desci no bairro São Francisco, região da Pampulha, dali rumando à Rua Rio de Janeiro, 855, centro, residência da tia; percurso feito rapidamente, mesmo com o motorzinho matraqueando feio, pedindo novas peças…
O zelador do prédio, “seo” Antônio, não fez objeção no embarque da moto andares acima, pelo elevador de serviço. Colhida de surpresa, minha tia o recriminou: “Não devia ter permitido, “seo” Antônio!”, disse revoltada. “Mas é seu sobrinho, dona Neusa, quase um menino ainda” – argumentou ele meio sem-graça. Referia-se aos meus 16 anos…
Acomodado, denguei a tia e ela não falou mais no assunto. No dia seguinte, cedo, desmontei o bloco, pistão, e levei tudo à retífica, montando tudo direitinho, satisfeito pela excelente taxa de compressão pós-retífica. Faltava agora testar o motor, o que fiz sem cerimônia no quartinho dos fundos do apartamento, improvisado em garagem da moto: a cada acelerada forte, a descarga aberta liberava densa nuvem de fumaça azul clara e uma barulheira danada. Não demorei a ouvir gritos revoltosos dos moradores próximos ao nosso andar (12º).
Ainda testei, nas ruas de BH, o motor revigorado da mini-enduro, proseando com garotas na Praça da Liberdade por dois domingos ensolarados, dia oficial de Feira Livre. Fiz bons amigos motoqueiros nessas andanças fumacentas pela capital, liderando uma trupe entusiasmada de circuitos motociclísticos pelo centro da cidade, para desespero da tia e do companheiro Betinho. Aliás, partiu dele o ultimato para que regressasse a Montes Claros. Isso aconteceu quando ele me flagrou empinando a moto em frente ao prédio da tia.
Infelizmente, a velhice chegou também para minha brava companheira de passeio, que utilizava também para trabalhar na Reitoria da Fundação Norte Mineira de Ensino Superior (faculdades de Medicina, Administração, Filosofia, Ciências e Letras e Direito), onde trabalhei desde idade tenra . O motorzinho da pequena Yamaha chegou ao seu limite, e aí já não compensava arrumá-lo mais. O jeito foi vendê-la para um entusiasta de motocicletas, Osmar Borborema, proprietário de oficina do setor, vespeiro famoso na região.