Não se trata de nenhum “causo”, texto fictício, mas um fato que aconteceu nos anos 80, num voo entre Belo Horizonte e Montes Claros-MG. Foi narrado pelos amigos pilotos Geovani Fiuza Gontijo, então proprietário da Servi-Táxi, e o carismático King, seu copiloto. Ambos mal conseguiam descrever a cena que presenciaram {e também sentiram}, deitando a gargalhar sucessivamente.
Segundo descreveram, o telefonema para fretamento do avião aconteceu nas primeiras horas da manhã. A surpresa foi saber que iriam transportar a Rainha dos Baixinhos, aguardada na Exposição Agropecuária e Industrial local. Era o início de julho, dia 3, data do natalício da cidade.
– Então… Pelo que entendi, a senhora já está nos aguardando no Aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte. na nossa Sala VIP, entendi, entendi… Sabe que leva mais de uma hora até chegarmos aí? Ainda nem abastecemos o avião, além de outros procedimentos de praxe, plano de voo, etc. e tal. Está mesmo disposta a aguardar? – questionou Gontijo.
Do outro lado da linha, a moça reafirmou a disposição de realizar os voos pela empresa. O comandante Gontijo gostou da parte em que ela não reclamou dos custos da viagem, a ser realizada no bimotor Sêneca I.
Pelo que a própria passageira informou, disse, ela não se interessou em fretar nenhum aparelho na capital, optando pelos serviços da Servi-Táxi.
– No início, achamos estranho, pois seria mais cômodo ela fretar um avião na Pampulha e nem precisar nos aguardar. Aí, simpática, argumentou que seguia indicação de um conterrâneo nosso. Eu informei ser de BH, integrante da família Gontijo, famosa marca de empresa de ônibus. “Só a Servi-Táxi é de Montes Claros, não eu”.
O comandante recorda ter ouvido boas risadas do outro lado da linha, tonalidade de risos infantis. O que ouviu a seguir o deixou congelado:
– Sou a Rainha dos Baixinhos, deve ter ouvido falar… Farei show hoje à noite, no Parque de Exposições. Retorno amanhã cedo; se vocês puderem me trazer, lógico…
– Combinado, combinado, minha senhora… Anotei tudo, pode nos aguardar. O tempo estimado de voo até BH é de uma hora. Levaremos mais alguns minutos para preparar o avião, que já está sendo abastecido. Obrigado pela preferência!
Ainda sob o impacto da notícia, de que transportariam uma artista famosa nacionalmente, Gontijo comunicou ao copiloto King para ir preparar urgentemente o Sêneca. “Abasteça e cheque a pressão dos pneus, King, pois vamos decolar em poucos minutos. Há uma belezura nos aguardando em Belô!
NÃO tardou para o Sêneca decolar rumo a Belo Horizonte, levando dois sorridentes pilotos. Não viam a hora de aterrissar na Pampulha…
O cenário reluzente da imensa lagoa cintilou boas-vindas ao bimotor quando passou baixo para tocar a pista da Pampulha, situada do outro lado.
Aterrissagem concluído, Gontijo já procedeu a rolagem do aparelho diretamente para o hangar que sua empresa utilizava regularmente. Nem bem o Sêneca desligou os motores, ele e King avistaram a Rainha dos Baixinhos desfilando leve em direção à aeronave, sorriso aberto e mala com rodinhas.
– Meu Pai Celestial! Muito linda! – exclamou King.
– Calma, calma, amigo, segure as pontas aí! Seja profissional, finja que é um cliente como outro qualquer.
Ambos se prontificaram a guardar a maleta na parte traseira do avião, auxiliando ainda a artista a embarcar.
– Isso, isso: pode pisar sem susto nessa faixa preta sobre a asa. A senhora vai dispor de bom espaço para sua viagem. Pensamos que estivesse acompanhada de algum assessor.
– Minha equipe já está em Montes Claros, desde ontem. Vão me receber no aeroporto.
Novamente, o bimotor abriu a garganta para ronronar disposição de voo, desta vez, levando a majestosa Rainha dos Baixinhos.
Sentindo-se prestigiados, os pilotos Gontijo e King forçavam total seriedade, checando desnecessariamente os comandos, todos funcionando de forma normal.
Na verdade, nesse teatral desempenho profissional, volta e meia ambos ensaiavam rabisco de olho no espelhinho central do avião, apreciando os traços exuberantes da solitária passageira. Tão linda…
Numa dessas olhadelas, King percebeu que a famosa se contorcia nervosa no assento, como se o fato de estar sentada a incomodasse bastante. “Estaria sentindo dores?”, pensou ao cutucar o comandante Gontijo.
A partir daí, ambos passaram a observá-la mais detidamente, sendo óbvio o desconforto da moça. Ela chegou a perguntar, voz sufocada, se ainda demorariam muito para pousar.
– Faltam uns 35 minutos… Se estiver com sede, tem água gelada no isopor, pode se servir à vontade – disse Fiuza, a título de deixá-la mais tranquila.
Dois minutos depois, um odor fétido, similar a uma pocilga, inundou o avião. O comandante cutucou seu copiloto e o recriminou feio, cochichando no intercomunicador:
– Pela madrugada, King: você podia ter segurado essa bufa! Nem respeitou a moça, coitada. Nem quero ver a cara de revolta dela…
– Não fui eu, comandante. Achei que fosse o senhor que tivesse soltado esse pum carniceiro…
Ao ouvir o amigo, Gontijo liberou uma risada divertida, sendo acompanhado por outra de King. E de modo desafiador, sem disfarce, olharam pra trás, encontrando a famosa toda empertigada num canto do assento, quadril meio de lado. Isso facilitou a liberação do trovão silencioso…