– O avião já está com tanque cheio! Olhe aí que beleza a boia de cortiça lá em cima! Só falta agora voar, Toninho!
O entusiasmado comentário foi do piloto Nathércio França, que, juntamente com Antônio Lafetá Rebello, Flamarion Wanderley, Homero Santos e Omerzindo Assis Lima fundou o Aeroclube de Montes Claros-MG. Durante bons anos, a entidade formou dezenas de aviadores civis.
– Daqui até Januária é um tiro e tanto. E nesse avião, Nathércio, é melhor nos apressarmos. “Paulistinha” é um jipinho voador: lerdo ao extremo, mas também dócil. Se deixa levar se você tiver sensibilidade… – disse Toninho.
O experiente piloto sabia do que falava: o Cap-4, aeronave entelada, exigia domínio total de quem estivesse nos seus sensíveis comandos. Qualquer manobra à parte das exigências do rústico treinador de aeroclubes poderia implicar em acidente sério.
Com Toninho no banco dianteiro, Nathércio ainda comentou que o sol demoraria a se pôr.
– -Temos tempo de folga; Januária está bem ali, do outro lado do Rio São Francisco. É pouco mais de uma hora e meia de viagem, Toninho.
O guarda-campo do velho Aeroporto de Montes Claros pediu que eles aguardassem um pouco, antes de decolar. Toninho, impaciente, piscou várias vezes, o que se tornaria ticket nervoso bem popular.
– Ah… Não é raro ele nos atrasar. Dias atrás, travou minha decolagem por causa de um Cessna 180 que estava chegando. Nem sabia exatamente o horário, pois fora avisado pela filha do fazendeiro minutos antes.
– O homem só está cumprindo seu dever, Toninho. A gente sabe que não faz por pirraça…
– Isso eu sei. Mas que atrasa, atrasa. E é ruim você desprogramar aquilo que calculara certinho.
Os resmungos do impaciente Toninho cessaram a partir do momento que o guarda-campo acenou positivo para ele prosseguir a rolagem à pista cascalhada. Mas teve o cuidado de indicar para taxiar pela esquerda. Toninho intuiu que alguma aeronave devia ter aterrissado.
O motivo do atraso logo surgiu do capinzal que erguia muro móvel ao longo da pista: um barulhento DC-3. O imponente bimotor marchou seguro de que teria lugar certo para dormitar seu cansaço de horas de voo.
– Deve proceder de Belo Horizonte ou Salvador. Máquinas do tipo só descem aqui para abastecer. Esse aí é cargueiro, noto pelas portas… – comentou Toninho ao sequenciar dócil rolagem no Cap-4.
Já na extremidade da pista, ele checou os instrumentos básicos do aparelho, e conferiu se a porta estava devidamente trancada.
– Lá vamos nós, Nathércio! Januária é a próxima parada!
Nathércio exibiu o polegar em concordância com as palavras do amigo.
Nem deu para se despedir de alguns colegas que lidavam com trem de pouso de outro “Paulistinha” no quase pátio do aeroporto: o Cap-4 ansiava por voar, e não deu mole para correr pela pista inteira, livrando-se do cascalho rapidamente. Já passou alto pela área do pretenso pátio.
Montes Claros está crescendo, Nathércio, disse Toninho, orgulhando-se do recatado monte de casas da cidade que se tornaria a “Princesa do Norte de Minas Gerais”.
Nivelado, o “Paulistinha” aproou em direção a Januária, e em cerca de 55 minutos já avistaram o Rio São Francisco, ao longe.
– É uma belezura, esse rio. Agora, até deu vontade de pescar! – comentou Nathércio ao olhar pela janelinha que não parava de tremular pela rotação do motor.
Também a vara de combustível, curvada em cima, denotou consumo regular. O preocupantes seria se estivesse “afundada”.
– Pilote aí, Nathércio! Cansei um pouco! – disse Toninho.
Nathércio assumiu o controle do manche bastão e corrigiu a altitude da aeronave, presumindo que deveriam estar mais baixo para facilitar os procedimentos de aterrissagem.
Pelo relógio, em mais ou menos uns 30 minutos rolariam pelo aeroporto de Januária. Restava agora aguardar pacientemente…