Então é hora de ir pra zona…

MONTES CLAROS-MT – Lá pelos anos saudosos da minha pré-adolescência, até por falta de opções de entretenimento, sempre acompanhava a turma do meu mano mais velho em andanças noturnas. Saíamos à noitinha do bairro Edgar Pereira, andando a esmo pela área central e em bairros próximos (Todos os Santos, Funcionários, etc.).

O objetivo dessas andanças noturnas era um só: paquerar as minas locais. Na realidade, tudo ficava mais na base da propaganda papuda. Mas nenhum deles perdia a pose, dizendo que, na próxima visita, determinada gata não resistiria. Só que as negativas de flerte prosseguiam implacáveis. Pura balela.

Geralmente, regressávamos logo depois da meia-noite, apressando o passo. Bem franzina, eu suava pacas para acompanhar o ritmo dos grandões, lutando ainda para vencer o sono. As pálpebras pesavam bastante; casa que não chega, sô!

Numa dessas peregrinações, os plantonistas da vagabundagem me levaram à disfarçada zona boêmia; bate-bate amoroso instalado num beco apertado, lateral à Praça de Esportes.

Pelo horário e som desafinado da música cafona, ‘a coisa ali devia estar no 12’, disseram. Assim, bateram forte no portão azul, aberto em menos de um minuto. Devia ter sempre alguém por perto, deduzi.

A porteira não fez nenhum sinal de receptividade ao ver aquela turminha curiosa postada diante do estabelecimento do sexo, instruindo para irmos embora. “Nenhum de vocês tem 18 anos”, comentou com desdém. “E esse menino aí [apontando pra mim], deve ter no máximo uns 11. Melhor irem embora…”

Um dos amigos do mano sacou sua carteira e exibiu dinheiro. Num estalo, a moça mudou de opinião, pedindo que entrássemos depressa. Não sem antes olhar para os lados do beco, temendo que alguém estivesse nos observando…

O cara da grana se deu bem, isso eu vi, logo se aconchegando feliz nos braços de uma moradora do lugar.  Já os outros (nós), sem dinheiro, limitamo-nos a chupar os dedos, olhando cobiçosos o movimento de requebro tentador das meninas que serviam bebidas.

Acabrunhado no meu canto, torci para irmos embora o quanto antes, mas os papudos ressurgiram ágeis: “Aguente mais um pouco: essas minas não vão resistir, você vai ver”.

De fato, algumas até se aproximaram nos primeiros minutos, certificando-se de que nenhum dos olhudos chegantes tinham um tostão sequer no bolso; desse modo, passaram a nos ignorar de vez.

Optei por ficar quietinho, só aguardando o sinal de irmos embora.

Uma delas simpatizou comigo, convidando-me para acompanhá-la. Senti calafrios de tanto nervosismo, achando que minha primeira vez finalmente aconteceria. Meu coração disparara!

A moça me abraçou ternamente, e, em passos lentos, delicados, foi me conduzindo pelo labirinto de corredores e quartos do estranho imóvel. Por fora, aquela casa parecia menor…

– Você gosta de quê? Pode dizer… – incentivou.

Engoli em seco, emocionado, pensando em dizer que gosto de tudo.

A emoção de estar sozinho com ela reprimiu qualquer pronúncia, e permaneci idiotamente mudo, olhando-a feito um cordeirinho.

– Ei, você não respondeu, lindinho… Gosta mesmo de quê, hein?

Eu a olhei desconfiado, de baixo pra cima, pois era alta, e consegui responder vacilante.

– Gosto de doce. Qualquer doce…

– Ah, tá… Entendi… – ela respondeu sorridente, bem-humorada.

A moça fez com que entrasse no seu quarto, conforme apresentou, onde tinha cama de casal arrumadinha, com sapatos perfilados primorosamente. Havia vestidos de cor extravagante em cabides, dispostos num varal baixo. Faltava guarda-roupas…

– Então… gosta de doces…- repetiu. Pediu que sentasse na cama. – Fique à vontade, gatinho! Eu já volto!

A moça saiu jogando beijo e demorou uns minutos para voltar. Para minha surpresa, trouxe um prato com marmelada e queijo, além de suco de limão. ]

– Não sei se você também gosta disso, mas eu amo! – declarou.

E enquanto saboreava o quitute mineiro, quis saber onde morava, estudava, se era de MOC, por aí…

Ainda estava no último pedaço quando apareceu meu irmão aflito na porta do quarto, dizendo estar me procurando há tempo.

– Vamos, João, tá na hora. Os meninos já saíram! Só falta você! Pensei que tinha ido embora sozinho!

Não entendi nada, aquela pressa toda, e saí do quarto relutante, arrependido de não ter dito para a linda moça que gostava de outras coisas, além de guloseimas.

Creio que nem a moça entendeu direito, despedindo-se com um leve sorriso de tristeza. Disse aos meus ouvidos:

– Volte outro dia, tá? Volte sozinho…

Senti que gostou de mim, e poderíamos ter ficado numa boa, sim, se acaso o mano desmancha-prazeres não surgisse afobado.

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JÁ A CAMINHO DE CASA, quis saber o motivo de tanta pressa, lembrando que nosso amigo tinha grana e foi aconchegado com uma das fulanas. Deduzi que demoraríamos na zona.

– Você sumiu com aquela moça lá pra dentro e a coisa complicou feio lá pra nós: o pai dele apareceu atrás da carteira que o malandro furtara. Furtou, acredita? Esperto, o pai adivinhou que ele estaria bem ali. O idiota sempre perguntava ao pai que lugar era aquele. Foi uma confusão das boas, quase deu polícia. Vocês não escutaram nada mesmo?

JCQ