Em curta-metragem, Gervane de Paula transita entre a ficção e a realidade ao procurar abrigo para nova obra

O projeto foi contemplado em edital da Lei Federal Aldir Blanc em Cuiabá, executado pela Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer e com apoio do Conselho Municipal de Política Cultural

Naiara Leonor – A produção acelerada e a transgressão de escalas das obras do artista visual Gervane de Paula são gatilhos ficcionais para o curta-metragem documental “Atitudes que se tornam formas”. O filme começa a ser gravado nesta semana em Cuiabá e mostra a saga do artista procurando abrigo para uma obra que já não cabe mais em casa. O projeto foi contemplado em edital da Lei Federal Aldir Blanc em Cuiabá, executado pela Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer e com apoio do Conselho Municipal de Política Cultural.

Na via sacra pela cidade, a equipe acompanha o artista em visitas às casas de importantes colaboradores para sua trajetória. Como alternativa às cabeças-falantes amplamente utilizadas nos documentários biográficos, o diretor Thiago Bezerra Benites aposta na abordagem observacional ao acompanhar o artista e assim, revelar sua relação com seu entorno geográfico e afetivo.

A artista plástica Dalva de Barros, que é mentora de Gervane, é a primeira a ser procurada por ele, que busca um espaço que abrigue a nova criação.

No elenco do filme que resulta do hibridismo entre o ficcional e o real, estão ainda a crítica de arte, Aline Figueiredo e Márcio Aurélio Santos, parceiro de Gervane desde o início, no Ateliê Livre da Fundação Cultural de Mato Grosso, no fim dos anos 1970.

*Passado e presente, ficção e realidade*

Ouvindo a ideia de Thiago, o produtor cultural João Batista mergulhou nesse universo imaginário que dialoga com a realidade e inscreveu o projeto no edital da Lei Aldir Blanc realizado pela Prefeitura de Cuiabá.

“É um constante atravessar da história com a contemporaneidade. Do passado, como o presente. E uma intersecção singular em que ao tempo em que o filme é realizado, a obra que é mote da narrativa, também é produzida pelo artista”.

A propósito, conta Thiago, a matéria-prima e suporte dessa obra provocada pelo produto audiovisual é um tronco morto encontrado no entorno do Cemitério da Piedade, no Centro de Cuiabá.

E ao buscar o suporte, percorrendo ruas do Centro Histórico, voltou no tempo em que transitava pela cidade.

“Meu primeiro contato com a obra de Gervane, por exemplo, foi em um tempo em que diversas obras de importantes nomes das artes plásticas de Cuiabá estavam distribuídas pela cidade. As mangas de Gervane, no Hotel Taiamã, estavam totalmente incorporadas à paisagem urbana, assim como os ônibus que circulavam pela cidade com obras de artistas visuais. Era uma provocação estética constante e isso sempre me impactou”, relembra.

E nessa toada da relação de Cuiabá com seus artistas populares é que a nova geração de artistas incentivada por Aline Figueiredo e Humberto Espíndola e que revelou outros grandes parceiros de Gervane, como Adir Sodré e João Sebastião, é celebrada.

“O nome do filme, por exemplo, vem de um texto de Aline, onde ela menciona uma exposição realizada pelo curador Harald Szeemann no fim dos anos 1960, na Kunsthalle de Berna. E daí, vem a interação com toda a contemporaneidade da poética de Gervane, um realista que oscila entre popular e o erudito, que extrai do brutalismo da diversidade de materiais toda sensibilidade crítica de seu repertório temático, sempre debochado e agressivo, seu pensamento seu processo é em si um ato de criação, e ele tem total consciência disso”, conta Thiago.

João reitera, ao discursar sobre a reflexão que se quer extrair da obra ficcional. “Gervane vem da ‘Geração 80’, mas o conjunto da sua obra é reinventado a cada nova produção. Gervane está em constante mutação, é dos artistas que produzem e dialogam com o universal”.

Thiago e João se conhecem há muito tempo e já produziram juntos. “A ideia do projeto nasceu em uma dessas longas conversas sobre a cidade e seus personagens”, relembra João.

Entre o ficcional e o real, há também uma camada poética, como aponta Thiago. Nesse lugar, a produtora cultural Magna Domingos recebe homenagem in memoriam. “Ela está presente nessa busca do artista por um lugar. A falta de um espaço, também é uma metáfora”.

Thiago conviveu bastante com o casal. Ele conheceu Magna, quando estava de férias da faculdade de Cinema, em Curitiba, voltou para casa no bairro Planalto e nesse constante transitar pela cidade resolveu procurar espaço no Pavilhão das Artes, à época, gerido por ela.

“Eu sugeri uma mostra de cinema brasileiro e ela topou. E então, logo eu estava trabalhando com eles no ateliê Boca de Arte. Vivenciei esse cotidiano frenético: de Gervane produzindo e Magna organizando. Ela dizia: ‘Thiago, quero minha sala de volta’”, se diverte ao lembrar.

“Devo muito a ela, devo muito a essa família. Magna me incentivou a voltar a estudar em Curitiba. Eu não tinha mais dinheiro para voltar, mas ela me disse: ‘vai fazer tudo remotamente’”.

Thiago avalia que ela observa tudo que está sendo feito. “Na casa deles, nas gravações, ela está lá, nas paredes retratada em diversas telas nos olhando. E há ainda uma tela de Gervane que traz ainda mais sentido a esse trabalho: ‘Favor guardar as ferramentas em seus devidos lugares’, um recado escrito por ela. O bilhete justifica a busca de um lugar para a nova obra, não é mesmo?”.

O curta-metragem “Atitudes que se tornam formas” foi aprovado em edital da Lei Aldir Blanc em Cuiabá, executado pela Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo e com apoio do Conselho Municipal de Política Cultural. Além de João e Thiago, compõem a equipe, Guto Krebs (som), Rosano Mauro Jr (direção de fotografia) e Fernanda Gandes (produção executiva).

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