Don Juan mineiro ‘vira casaca’ e ‘arromba’ guarda-roupas

Caso aconteceu em Montes Claros-MG há décadas...

Montes Claros-MG, década de 70 – Na Praça da Matriz (Doutor Chaves), tornou-se comum a figura daquele rapaz, forçadamente elegante, requebrar pelas alamedas floridas e perfumadas do tradicional logradouro público. Durante meses, ele imprimiu rotina diária nesses passeios, geralmente  realizados nos finais de tarde, antes das aulas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. O educandário ficava situado na Rua Coronel Celestino, e reunia alunas belíssimas.

A preferência de horários desse inegável malandro era assim explicável: queria conquistar as estudantes em trânsito pela praça a qualquer custo. Sem a menor modéstia, ele as abordava de forma melodiosa, abrindo sorrisos intermitentes que se igualavam aos do fictício Coringa , inimigo de Batman, misto de semblante maquiavélico e ardiloso. Não raramente, conseguia engabelar as ingênuas universitárias. Aí, ar vitorioso, desfilava com suas novas presas…

Dono de si, dizia se chamar “Robertinho”, apesar de não convencer ninguém. “Deve ser nome falso”, concluímos. Tínhamos motivos de sobra para duvidar disso, pois ele nunca nos forneceu detalhes de sua vida particular: família, terra natal, endereço, formação escolar, etc. Desconversava quando um dos amigos da roda insistia em levantar tais informações.

O interessante é que o intrépido Don Juan em questão surgia sempre de algum ponto indefinido da praça, marchando firme que nem um soldado. Evidente que, mesmo a considerável distância, percebia estar sendo observado pelo nosso grupo. A partir daí, feliz pelo público gratuito, iniciava “aulas públicas de conquista feminina”. Não raras vezes, passava em frente ao nosso banco predileto para exibir sua infalível tática de arrebatar corações, trajado de irresistível sedutor.

Cansamos de vê-lo também furtando rosas vermelha e amarela, prendas utilizadas para ofertar às meninas. Fazia isso quase saltando na frente das garotas. A maioria não resistia aos seus encantos de lobo gentil…

Sua técnica de conquistas, digamos, se baseava em alguns detalhes: a) trajes sóbrios, elegantes; b) fala pausada, com inflexão primorosa das sílabas, a fim de enaltecer “cultura”; c) e propaganda intermitente de posses que nunca teve (rede de lojas intitulada “Casa das Sandálias”).

Já os cabelos, notadamente crespos, alisados com touca, escovinha, destoavam desse conjunto de pretensa elegância. Mas o  cara insistia em mantê-los compridos, e a impressão era de carregar um rabo de cavalo na nuca. Outro detalhe cômico: usava costeletas grossas, cujas pontas se abriam na parte inferior.

Descaradamente, insistia em repassar imagem de empresário bem-sucedido. No início, até forçou a barra para acreditarmos nessa balela, mas foi desmascarado por Eduardo Pastinhas e Floriano, que impactaram sua realidade falida. Sem-graça – e também sem argumentos contestatórios -, o Casanova externou sorrisos amarelos, típicos do comediante cinematográfico Carlitos, interpretado pelo ator Charles Chaplin.

A despeito de ser legítimo pobretão (sequer tinha bicicleta), jamais deixou de fazer propaganda de suas habilidades, salientando que as meninas caíam fácil no seu colo quando anunciava ser dono da rede de lojas Casa das Sandálias, franquia pretensiosamente famosa no país. “Vocês precisam aprender algo: mulher quer boa vida, alguém com grana. Elas me veem como um cara rico”.

Na  verdade, ele não passava de mais um cínico aproveitador da boa-fé feminina, mentiroso potencial. Egocêntrico, imaginava ser o centro das atenções mundanas. E seus sorrisos Coringa se expandiam ao ouvir nossos elogios, que, na realidade, significavam pura engabelação ao trouxa: “Você é um cara realizado, pois conquista qualquer mulher”. Os olhos arrogantes do Don Juan brilhavam satisfeitos ao ouvir frases semelhantes…

Se, naquela época, alguém nos alertasse de que se tornaria conquistador de corações masculinos, certamente que esse comentário seria qualificado de piada grotesca, totalmente improvável. Mas a vida, convenhamos, é uma roda gigante surpreendente…

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Foram meses e meses acompanhando a trajetória desse sem-ter-o-que-fazer pela Praça da Matriz. Aos poucos, ele quis integrar oficialmente o nosso grupo, momentos em que narrava mais peripécias de conquistador.  Com aquele requebrado, começamos a duvidar de algumas façanhas amorosas que alardeava. As da pracinha, tudo bem, cansamos de ver. As demais, porém, suscitavam questionamentos…

Apesar do atrevimento irônico da dupla, Pastinhas e Floriano jamais indagaram do dito Don Juan o porquê de ele requebrar tal qual um pato prestes a entrar numa lagoa. Para piorar o visual, ao andar imprimia incontroláveis movimentos circulares com os braços, retesando a barriga. Sobrava, então, à retaguarda, as salientes nádegas gordas, similares a um bitrem.

Recordo também que sua fama de conquistador ganhou outros ares da cidade, geralmente em núcleos populares.  “É infalível pegador de domésticas. Vive atrás das que trabalham lá em casa”, informou um conhecido do bairro Funcionários, na região da Avenida Mestra Fininha.

No final de 89, ausentei-me de Montes Claros, vindo aportar em Cuiabá. Numa das muitas vezes em que retornei à terra natal, décadas após, indaguei dos amigos por onde andava aquele garanhão contumaz da Praça da Matriz, o famoso “Robertinho”. Um deles, às gargalhadas, disse que o intrépido Don Juan da década de 70 tinha virado literalmente a casaca, arrombando o guarda-roupas. Ou seja: virara “moça”, no sentido exato da palavra. “Agora virou pegador de rapazes”, informou.

Independente da reviravolta de preferências sexuais, frisaram, o sujeito ainda usa costeletas grossas e o rabo duro de cavalo, agora grisalho. E usa também o mesmo perfume enjoativo do passado, quando imaginava ser um irresistível cheiroso para as garotas que circulavam pela praça…

Por João Carlos de Queiroz