DIA DO ESCRITOR: Segredos de escrita fluente…

Hoje é o Dia do Escritor. Data em que os contadores de histórias [reais /fictícias] são homenageados merecidamente. Afinal, escritores são responsáveis por sorrisos felizes, transmutados por clima apreensivo dos que se debruçam ávidos sobre obras intrigantes.

É graças ao talento de quem detém comando criativo no teclado que impensadas aventuras se transformam em entretenimento solitário, descortinando emoções desconexas.

A exemplo dos cinéfilos, também os amantes da literatura divergem acidamente sobre os ‘melhores temas’.

Há quem “ame”, por exemplo, sentir medo (pode isso?) ao ler histórias de terror; outros, sofrem copiosamente pelo transcurso capitulado de casos de amor. E grande parte dos leitores prefere textos aleatórios, sem êxtase de nenhum…

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Mesmo sem me considerar escritor, pois sou apenas jornalista, tenho noção dos sentimentos que acometem quem escreve regularmente. Primeiro, para gostar de escrever, é preciso ser bom leitor.

Nesse aspecto, reconheço, possuo experiência de sobra: desde criança, devorava livros da estante de casa. Nem os seis volumes da Bíblia Sagrada fugiram à minha voracidade leitora…

Já aos sete anos, entediado pela mesmice de relatos infantis [de teor descritivo], escrevi meu primeiro conto.

De lá pra cá, tenho sido audacioso ao discorrer sobre tudo, transformando lembranças pessoais em crônicas, contos, relatos biográficos, etc…

ENFIM, cada texto é uma incógnita…

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Via de regra, fui obrigado a mudar títulos de vários trabalhos ao finalizar o texto; momento em que percebi a desconexão entre o título e a história relatada.

Quem escreve, aliás, sabe de algo: as palavras costumam nos conduzir. Nem sempre o autor consegue se manter no curso literário inicialmente planejado.

Daí que não existe nenhuma regra básica para uma escrita ser 100% fluente, compatível à ideia precocemente esboçada.

Ao escrevermos, não há precocidade nos projetos: somente vultos se insinuam como coadjuvantes de narrativas elaboradas em ambiente silencioso, ou até barulhento. Redações de jornais desafiam qualquer tentativa de concentração…

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Narrativas se enquadram no meu estilo predileto de escrever. Utilizo descaradamente a terceira pessoa, viajando em tempos perdidos [de ontem saudosista] e projetando outros melhores, em futuros improváveis.

QUANDO OS TEXTOS SURPREENDEM…

Ainda hoje não entendo o porquê do sucesso de um texto que elaborei às pressas no Colégio São José, início dos anos 70. Foi uma redação impetuosa, quase um desabafo de escrita.

O professor pediu para escrever sobre nossas experiências educacionais, a sensação do aprendizado contínuo na labuta escolar.

Aí, antes mesmo de iniciar, um maldito besouro verde – desses que adoram frutas – passou a me perturbar seguidamente, a ponto de abalroar meu rosto.

Os colegas pareceram ignorá-lo, entretidos em cumprir a tarefa designada, enquanto meu caderno continuava vazio, à espera das palavras contidas pelo inoportuno inseto.

E se aquela coisinha colidisse diretamente com meus olhos?

Semblante sereno, o professor andou pelas alas da sala, à espera de que fôssemos eficientes para entregar bons trabalhos.

Deteve-se, por duas vezes, a meu lado, observando a página em branco, e seguiu em frente, desconfiado. Até olhou pra trás; senti mais cobranças no ar….

O besouro verde finalmente abalroou uma janela envidraçada, caindo no rodapé. Ficou rodopiando aflito, creio que tonto, e fui resgatá-lo. Libertei-o fora da sala, e o inseto alçou voo rápido, para algum lugar.

O professor continuou a me observar, e disse não ser hora de brincar. Pediu que tentasse cumprir a tarefa de redação, salientando que eu estava à retaguarda dos meus colegas.

“Tenho vários textos prontos. Cadê o seu?!” – palavras duras.

Pedi que aguardasse mais um pouco, e voltei atarantado ao assento de madeira, comumente chamado de “carteira”. Tudo culpa do mosquito desorientado…

Dessa forma, sem mais nem menos, nasceu o texto solicitado pelo professor:

“Não há meio de ser criativo quando um besouro atazana nossas vidas…”, intitulei.

No primeiro parágrafo, falei sobre as armadilhas existentes em ambientes desconhecidos. Fatalmente, aprisionam inocentes voadores do universo de Deus.

“Aquele besouro talvez tenha sido induzido a interagir conosco, pois surgiu do nada, invadindo a sala de aulas. Pelo visto, desejaria ficar ali mais um pouco, ou quis apenas chamar minha atenção, ao perceber algum resquício de perdão à sua ousadia de penetra escolar”.

Nem bem terminei o primeiro parágrafo, sequenciei o segundo:

“Oxalá alguém entendesse que ele, por ser tão pequeno e indefeso, não tinha culpa de estar preso num lugar tão público; e que nada adiantava ver o mundo exterior, abrasado por luz solar matutina; se, pelo menos, aquelas janelas envidraçadas lhe permitissem ir embora…”

O texto em questão não foi longo, restrito a poucos parágrafos. Nos últimos, mencionei a alegria liberta do besouro:

“Voar para a felicidade, sabe-se, é bênção concedida a poucos. O besouro verde irradiou luz de serenidade confiante ao alquebrar a delicada situação vivenciada na nossa sala, minutos antes. Entendi que os pássaros engaiolados também deviam sentir algo parecido, quando os corações duros dos carcereiros resolvem abrir suas gaiolas”.

O parágrafo final teve nuance romântico:

“Ainda hoje, mentalizando a cena do besouro verde, em voo rápido rumo a arvoredo próximo, pareço escutar seus zumbidos de satisfação. Mesmo porque, testemunhei, uma companheira voadora surgiu mais adiante. Então, o voador descontrolado também tinha família…”

Por João Carlos de Queiroz, jornalista
Mtb 381.18

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