Primeiro, cabe aqui uma síntese da história do então mascate Paulo Sérgio Marino de Oliveira, procedente de Juiz de Fora-MG. O jovem sempre sonhou em ser aviador profissional. Os sonhos aéreos do falante rapaz tiveram início ainda na fase adolescente, intercalando-se em imagens quase reais (típico filme) quando o irrequieto garoto deixou o lar paterno e passou a viajar diariamente para garantir o pão de cada dia.
“Paulinho” (conforme as garotas o chamavam) tinha convicção de que atingiria seus objetivos na área aviatória mais cedo ou mais tarde. Ao volante do seu velho furgão VW, sonhava em pilotar aeronaves de pequeno e grande porte. O encantamento proporcionado pela imaginação contradizia com os buracos das estradas cascalhadas e asfaltadas que ele percorria diariamente. Solavancos nada confortáveis para vender roupas e todo tipo de quinquilharias.
Anos depois, Paulo conseguiu o sonhado brevê (categorias PP e PC). Voou muito o Uirapuru, monomotor utilizado também pela FAB na formação de cadetes.
No seu primeiro emprego numa modesta empresa de táxi-aéreo, encarregaram Paulo de transportar um defunto até uma cidadezinha interiorana de Minas, local do velório. Soube apenas que se tratava de homem de meia-idade, de estatura elevada.
Paulo decolou de Juiz de Fora antes do meio-dia, meio preocupado com aquele presunto esticado ao lado (a cadeira do co-piloto havia sido retirada). O corpo estava enrolado num lençol branco. Do aeroporto, seguiria direto para a funerária, a fim de se submeter aos preparativos de praxe do velório.
Apesar da tranquilidade aparente do voo, que transcorria em legítimo “céu de brigadeiro”, Paulo disse que se tornou impossível não observar a imobilidade do seu “companheiro de viagem”. Tanto que passou a olhá-lo repetidamente, de forma meio sorrateira.
“Não deixei de pensar que ele (defunto) poderia ressuscitar de repente. Dava até para ver parcialmente o formato do rosto dele: o bigode grosso, por exemplo, estava debaixo daquele lençol meio transparente”, recorda.
Nesse vai e vem de olhares curiosos do piloto, eis que o defunto soltou um arroto escandaloso, convulsionando o corpo energicamente. “Pensei que iria se levantar da maca. Para piorar, aquele arroto infestou o interior da aeronave. Então, houve expelição sequencial de gases. Uma pocilga federia menos que a cabine do avião”.
Paulo conta ter recuado prudentemente o corpo para a esquerda, tentando se afastar ao máximo daquele cadáver. Observou que mesmo suas mãos (amarradas com fita crepe) se movimentavam a cada arroto ou pipocada traseira de gases.
“O sujeito não ficava quieto de jeito algum: queria mesmo se levantar, percebi. Assim, comecei a baixar o avião para aterrissar em qualquer lugar”.
A gota d’água dessa sinuca de bico foi quando o morto expôs sua fisionomia pálida e gorda. Paulo viu muito bem a boca do dito cujo movimentar-se na eclosão de outros escandalosos arrotos e gases de procedência anal.
O monomotor já estava a metros de uma área reservada a plantio de milho. Paulo nem pestanejou em aterrissá-lo ali mesmo, consciente da emergência da situação. Qualquer risco valia a pena diante da possibilidade de ser esganado por mãos de cadáver.
Por sorte, o avião tinha porta à esquerda, por onde o apavorado comandante saiu correndo aos gritos feito um louco. Ao irem averiguar, técnicos do IML constataram o óbvio: o morto estava mesmo morto!
Por João Carlos de Queiroz