MONTES CLAROS-MT – Quando pilotava motos pelas ruas da cidade, entre os anos 70 e 80, presenciei muitas coisas estranhas, igualmente protagonizando situações inexplicáveis, pra não dizer macabras. Uma delas ocorreu quando uma mulher magra me pediu carona na Br-135, posicionada ao lado de ponto de ônibus próximo ao Batalhão da Polícia Militar.
Por se tratar de horário avançado da noite, deduzi que ela não conseguira transporte, e assim recorria à solidariedade humana, aflita para chegar em casa. E uma vez que eu estava sem destino, depois de ciscar numa chacrinha agitada no Cintra, resolvi auxiliá-la. Só não imaginava o sufoco que me aguardava dali em diante…
Educada, voz baixa, rosto sombreado por um lenço, talvez para espantar a poeira que grassava naquela região, ela explicou que o marido não apareceu. “Tudo bem, senhora”, respondi solícito. “Quer alguma ajuda para subir na moto? Posso ficar mais próximo da calçada…”
Para meu espanto, aquela mulher quase voou direto para o selim da motocicleta, uma Yamaha 125 TT, acomodando-se fácil. Indaguei se estava firme, pois iria sair, e ela respondeu guturalmente que sim.
Conforme informou ao apontar o dedo indicador, morava além do Motel SAND’S, lateral à rodovia. Imaginei se não seria uma dica de cantada, mas nem respondi, limitando-me a pilotar a moto. Afinal, tinha dito ser casada…
Passamos em frente ao motel, momento em que reduzi a marcha da moto, porém a mulher sequer respondeu se já estávamos perto de sua casa. Repeti a pergunta e… nada. Inocente, entendi que era pra tocar direto; talvez nem gostasse de conversar muito…
Perto da ponte que comporta os trilhos da R.F.F.S.A. por baixo, voltei a indagar se estava ainda longe. Novamente, silêncio total. A TT sentia o peso extra, e precisei engatar marcha forte para subir a rampa da ponte, senão não conseguiria andar.
Exatamente em cima da ponte, a mulher falou que sua casa estava a menos de 100 metros, do lado direito. “Você vai saber quando chegarmos lá”, emendou informalmente.
Desta feita, fui eu que fingi surdez, imaginando grau de insanidade daquele cérebro que levava na garupa da moto.
“Minha casinha é aquela lá, a branquinha, está vendo?” – nova observação da mulher. Continuei mudo, sem ver absolutamente nada do lado direito, conforme ela garantira ser a localização do imóvel. E não tardou a intimar:
“Pare aqui, moço! Já chegamos na minha casa!”
Detive a TT e senti que a moto agradeceu o esvaziamento desse estranho peso morto. Disse “peso morto”? Eis uma legítima descrição para tal episódio, visto que minha garupa simplesmente desapareceu!
Inútil foi efetuar voltas e mais voltas para tentar localizá-la: o potente farol da Yamaha só engolfou vazios consecutivos, além de mata rasteira. E nem havia árvores próximas, nas quais a minha passageira pudesse se esconder…
Foi numa dessas vasculhadas que vi a casinha branca da qual a mulher falou ao descermos a rampa da ponte: uma casinha túmulo. Encontrava-se timidamente escondida no meio do capim, pertinho da Br-135.
Vocês devem querer saber se fui lá checar nome do defunto, ou defunta, correto? Não fui. Fiz foi abrir o acelerador da moto e voar dali rapidamente! A Br-135 se encontrava deserta àquele horário, como se todo o fluxo de veículos leves e pesados tivesse sido estatizado por longos minutos.
Também desnecessário dizer que, a partir desse episódio, nunca mais quis ser motoqueiro madrugador em paragens solitárias. Vai que aparece mais alguém do outro mundo pedindo carona…
Por João Carlos de Queiroz, jornalista Mtb-381.18-MT.