O velho ditame de que “A vida é uma roda gigante” procede, sim. Testemunhei isso recentemente, ao rever alguém que, em passado não muito distante, ostentou altivez incompreensível perante seus entes queridos.
Também houve momentos em que se tornou irreconhecível pelo carisma esbanjado em reuniões ocasionais, abrindo os braços receptivos a quantos adentrassem em seu lar. “Bipolar”, diziam. A teatralização faz parte do ego humano.
Aos estranhos, no geral, ele costumava direcionar total indiferença, quando não rispidez gratuita. De quebra, alardeou julgamentos intempestivos e desprovidos de qualquer fundamento.
Na sua opinião, somente ele representava a tônica da perfeição humana; falhas comuns só cabiam a terceiros…
Em síntese, julgava-se acima de Deus e da razão, por assim dizer. Nunca se preocupou em ser pelo menos educado, perfilando rica grosseria ao tratar das coisas mais banais.
Sua fiel companheira, portadora de alma límpida, ainda justifica tais atitudes com a seguinte frase: “É o jeito dele”. Nem ela foi poupada nesse convívio…
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Isso me faz lembrar de uma colega jornalista em Cuiabá, moça de “cancela-pronta-na-cara” pra quem tentasse qualquer aproximação. Só ficou “educadinha” quando a demitiram.
Ao me procurar aflita por emprego, respondi não a conhecer. Precisam ver seu espanto! Expliquei que sua identificação não correspondia à repórter mal-educada com o mesmo nome.
Pedindo desculpas, ela disse ter tido problemas sérios {justificando as grosserias}, e suplicou pelo emprego. Cabia a mim contratá-la ou não. Cedi ao pedido. A gente é besta.
Aprendi assim que o famoso “jeito das pessoas” {desculpa para aceitarmos desaforos} muda conforme as suas necessidades…
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Voltando à narrativa original, o sujeito festeiro do passado jamais imaginaria que a vida pudesse levá-lo a se enveredar por caminhos turvos, transformando-o em espectador apático de um destino sem novidades.
Tudo poderia continuar indo bem se não fosse o diabetes, e, pra piorar, trombose e derrame, doenças que se aliaram impiedosamente para fazê-lo entender nossa fragilidade humana.
Prostrado há anos numa cadeira de rodas, ele perdeu o entusiasmo geral. Agora, fica o tempo todo cabisbaixo, como se tivesse vergonha do ato de existir…
Da cadeira, num dos cantos do alpendre, limita-se a observar o ciscar ininterrupto de galinhas pelo terreno repleto de frutíferas, transformado em seu novo horizonte mundano.
Questiona-se quais seriam seus pensamentos a respeito de tudo; difícil precisar: foram muitos anos felizes, e outros tantos de calvário…
Se alguém passa e o cumprimenta ele até olha, ou tenta dizer algo, sibilando grunhidos incompreensíveis. Porém, com frequência, abaixa os olhos mortiços em direção ao piso, alternando observações rápidas ao alvoroço do galináceo ao redor.
A tristeza persistente de sua figura induz a pensar que houve paralisação também de sentimentos…
Volta e meia, chama angustiado pela companheira: é hora de se livrar do fraldão, das fezes coladas às nádegas. Mas a convoca sempre em tom irritado, impaciente, como se a fiel mulher tivesse obrigação de ser sua escrava…
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Pelo visto, ele ainda não aprendeu a mais importante lição de vida, das oportunidades perdidas por falta de humildade. Esteve no auge de impor uma moldura de admiração reconhecida e não quis aproveitar.
E enquanto não entende essa sua nova fase, os minutos de solidão o induzem a pensar viver apenas um constante pesadelo. Os sonhos de ontem foram desfeitos ao prostrá-lo como um dos simples móveis estáticos da casa.
Espero que, finalmente, um dia entenda as mudanças protagonizadas aleatoriamente ao seu redor. Porque, na atualidade, e sem perspectivas de mudanças, o futuro não lhe oferta nenhum módulo promissor.
A esperança de descanso reside restritamente na convocação do sono divino de Deus. Lá existe escola de perfeição ao que não aprendemos aqui na Terra!
JCQ