Por José Romildo – Brasília – O Brasil foi o primeiro país da América Latina e o oitavo do mundo a estabelecer relações com a Coreia do Sul, no momento em que o país asiático se encontrava em grande dificuldade econômica. Os dois países estão celebrando 60 anos de relações diplomáticas em um cenário bilateral de muitas oportunidades.
A Coreia é hoje uma das mais prósperas nações do mundo em razão do desenvolvimento tecnológico e da presença de suas empresas ao redor do mundo. O momento atual é ideal para que Brasil e Coreia do Sul elevem o patamar de suas relações, tendo em vista a complementariedade econômica e o dinamismo cultural das duas nações. Além disso, existe a expectativa entre os governos dos dois países de que a Coreia do Sul assine um acordo comercial com o Mercosul em meados de 2020, o que favorece ainda mais a percepção de um fortalecimento das relações entre as duas nações.
Pelo lado econômico, há décadas as empresas coreanas avançam pelo mundo, o que ajuda a explicar o PIB (Produto Interno Bruto) de US$ 1,72 bilhões do país, que ocupa a 12ª posição entre as maiores economias do mundo. Com esse PIB, e com uma população de apenas 50 milhões de habitantes, é fácil entender a renda per capita do país, superior a US$ 30 mil.
Cultura
O que é novidade para muitos é a expansão cultural da Coreia do Sul. Hallyu é o nome da onda cultural coreana que se espalha ao redor do mundo, com o apoio do KOCIS, Serviço de Cultura e Informação da Coreia, braço do Ministério da Cultura, Esporte e Turismo do país. A Coreia do Sul está cada vez mais se posicionando como um fenômeno extraordinário de cultura e entretenimento, exportando músicas, seriados de TV, cartoons, dramas transmitidos pela internet, filmes exibidos em cinemas tradicionais, jogos digitais e coreografias. Só em 2018, essa onda cultural garantiu uma renda para o país superior a US$ 7,4 bilhões.
Muitos desses componentes do mundo cultural coreano já chegaram ao Brasil. Existem faixas de adolescentes e jovens brasileiros fanáticos pelo K-Pop, um dos integrantes principais da onda coreana, e pelo K-Drama, seriados exibidos na TV e na internet. Há também outras atividades culturais que ainda não atingiram com intensidade outros países, mas ainda se restringem ao território coreano. Uma delas são os webtoons, cartoons escritos especialmente para internet, fenômeno popular na Coreia.
Em todo o mundo, as mídias sociais têm sido um instrumento fundamental para a indústria de música coreana atingir um público mais amplo, auxiliando o K-pop a realizar aparições cada vez mais frequentes em paradas ocidentais de músicas como a Billboard, a revista semanal norte-americana que elege os grandes sucessos musicais. BTS, Seventeen e SuperM são alguns dos grupos K-Pop que já apareceram no Billboard, mas o grupo coreano que está se destacando no momento é o (G)I-DLE, formado só por mulheres, que em breve fará apresentações em vários países, inclusive no Brasil.
Shows de TV
Diferentemente de outros países industrializados, onde a televisão aos poucos está cedendo vez à internet, na Coreia do Sul a grande procura do público pelas redes sociais não prejudica as grandes audiências de TV. Além de várias redes nacionais de televisão, as três maiores – KBS, MBC E SBS – produzem programas que repercutem fora das fronteiras do país. Um deles é o Running Man, um show de entretenimento que faz muito sucesso também no Japão, China, Vietnã e outros países do Sudeste Asiático.
O programa Running Man não é um mero show de diversão. Lançado em 2010, ganhou fama por unir diversão com a apresentação de cantores, atores, comediantes e outras celebridades coreanas.
Hanbok
Uma das particularidades da cultura coreana é a união da tradição com a tecnologia do futuro. Isso pode ser percebido com uma simples caminhada pelo centro histórico de Seul. Nessa área, mulheres costumam passear vestidas de hanbok, a vestimenta tradicional da Coreia, que se caracteriza por suas cores vibrantes, linhas simples e ausências de bolsos.
A importância do Hanbok para a cultura coreana foi estudada pela estilista Sulnyeo Park, que veste com essa roupa tradicional os artistas de Hollywood e celebridades de outros países que visitam Seul.
Cinema
Uma das áreas culturais da Coreia do Sul mais conhecidas no exterior é o cinema. “Isso se deve provavelmente ao grande interesse do público coreano por filmes, sejam do próprio país ou do exterior”, disse o produtor Park Sj, do estúdio Digital Idea, o maior estúdio de efeitos visuais da Coreia. As salas de cinema das cidades coreanas costumam ficar lotadas com a exibição de filmes nacionais ou estrangeiros. A Digital Ideia, que produziu mais de 450 filmes nos últimos 20 anos, foi agraciada com prêmios em festivais internacionais por ter aplicado efeitos visuais em filmes como The Great Battle (Lobo Guerreiro) e Train to Busan (Invasão Zumbi).
Sistema de Saúde
A prosperidade econômica sul-coreana se espalha por todas as áreas do país. O sistema de saúde atende bem a toda população coreana e ano após ano aumenta a procura de pessoas de outros países pelos serviços médicos e por cirurgias na Coreia do Sul. Cirurgias plásticas, por exemplo, são muito procuradas não só pelos artistas do mundo K-pop como também por pessoas provenientes de vários países. Estes já perceberam o alto nível tecnológico e a capacidade dos médicos sul-coreanos.
A mais recente unidade hospitalar da Coreia do Sul é o St. Mary’s Hospital, a unidade hospitalar da Universidade Católica da Coreia, equipada com o melhor equipamento de robótica do mundo, que ajuda a realizar cirurgias nas áreas de urologia, ginecologia e otorrinolaringologia, entre outras.
O St. Marys Hospital foi inaugurado no início de 2019, em uma área cercada de colinas, nas proximidades de Seul, a um custo de US$ 583 milhões. O edifício do St. Marys tem requintadas e modernas instalações e por isso é chamado pelos visitantes e pacientes de “hotel cinco estrelas”. A parte externa é composta de vias de acesso aos bosques, onde os pacientes passeiam para tomar sol e respirar o ar das montanhas.
O St. Mary’s Hospital disponibilizou uma área interna para que restaurantes sirvam pratos finos ou fast food para pacientes e visitantes. “Aqui tudo foi planejado para que o paciente sinta alegria por estar em um lugar agradável e não [tenham] depressão por estar em um hospital”, disse o pediatra Jong-seo Yoon, um dos médicos do St. Mary’s.
Laços culturais
O diretor da divisão da cultura popular do Ministério da Cultura, Esporte e Turismo da Coreia, Nam Chanwoo, destacou que, para a Coreia, é muito importante aumentar os laços culturais com o Brasil, que tem uma grande tradição tanto na música quanto em artes populares. Já o diretor geral do Serviço de Cultura e de Informação da Coreia, Kim Il Hwan, afirmou que o desejo do governo coreano é solidificar e expandir a presença dos valores culturais do país no Brasil, não somente em São Paulo, onde vive a maior parte dos 50 mil coreanos que moram em território brasileiro, mas também em outras cidades brasileiras.
Já o embaixador do Brasil na Coreia, Luís Henrique Sobreira Lopes, enalteceu o simbolismo dos 60 anos de relações Brasil-Coreia. Conforme ele lembrou, os 60 anos de relações diplomáticas entre os dois países têm um significado especial: o cumprimento de um longo ciclo de vida. “A data também remete à maturidade de nossa amizade, algo que desejamos preservar e aprofundar”, disse o embaixador.
A história da diplomacia costuma exibir exemplos de países que receberam os benefícios por terem sido pioneiros em reconhecer uma nação irmã. Quando foram estabelecidas as relações bilaterais com a Coreia do Sul, em 1959, a nação asiática lutava para se recuperar da devastadora Guerra da Coreia (1950-1953). Na época, o país tinha um PIB per capita de menos de US$ 100 e uma expectativa de vida de apenas 54 anos. Hoje, o estoque de investimentos sul-coreanos no Brasil é de cerca de US$ 6 bilhões, principalmente nos setores eletroeletrônico, automobilístico e de semicondutores. Este ano, só entre janeiro e setembro, os dois países tiveram intercâmbio superior a US$ 6,1 bilhões. Se a história se repetir, os dois países tendem a ser parceiros gigantes tanto em termos econômicos quanto culturais.
O jornalista José Romildo viajou para a Coreia do Sul a convite do KOCIS, o Serviço de Informação e Cultura daquele país.