Já se passaram muitos anos desde que nossa turma cismou de ser grupo amante da Sétima Arte. Talvez, por falta de opções de entretenimento na década dos anos 70 e 80, quando ninguém ainda sonhava com internet, o cinema assumiu posto graduado na nossa agenda de inquietudes jovens.
Primeiro, sempre com cinco ou seis integrantes fiéis em marcha, nunca perdíamos nenhuma sessão dominical no Cine Montes Claros, o único com projetores especiais (para filmes 70 mm e 35 mm). Admirava-me ao ver as caixas de filmes de espessura avantajada sobrepostas na sala de projeção.
Já no interior do cinema, principalmente nas sessões noturnas, escolhíamos uma fileira inteira de poltronas na ala central, como se fôssemos donos do pedaço. Difícil alguém estranho se acomodar ali, pois nossas caras feias diziam que não seria bem-vindo…
Com o filme em andamento, nunca deixamos de gritar à vontade para comemorar alguma cena, ou mesmo assoviar quando surgia uma atriz linda. Essa gritaria desembestada só parava se um dos lanterninhas varresse a fileira com forte luz de lanterna, momento de total compenetração silenciosa no filme…
Um dos motivos que me levava ao Cine Montes Claros nas sessões vespertinas tinha nome: Consuelo. Desenvolvi paixão platônica pela adolescente, e no auge dos meus 19 anos sentia-me em ponto de bala para tentar ser feliz ao lado dela.
O interessante é que, independente desse amor confesso pela menina, jamais tive coragem de abordá-la, limitando-me a olhares rápidos, de admirador prostrado pela sua beleza.
Graças às sessões de domingo, pude confortar o coração palpitante de paixão, ainda que desconfiasse ser motivo de troça da bela cobiçada e de uma amiga inseparável, Juliana: ambas sorriam divertidas ao me ver, evidenciando zombaria discreta…
Meus amigos se divertiam ao me ver sofrer por um amor que, diziam, jamais seria correspondido. Afonso Celso Magalhães Ferreira, mais complacente aos rasgos sentimentais, até me incentivou a tentar conversar com Consuelo. Faltou coragem…
Cheguei a caprichar na lavagem da Yamaha mini-enduro para posicioná-la brilhantemente em frente ao Cine Montes Claros, onde Consuelo sempre chegava a bordo de um VW Brasília azul. Minha esperança era de que reparasse na moto, talvez pensando: “Ele já chegou…”
Lá de dentro do cinema, protegido pelas vidraças, eu observava tudo, e não raramente engolia em seco, de decepção, ao perceber que a beldade sequer olhara para minha motocicleta…
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Daí que o cinema, em si, foi elo cúmplice do amor que eu conheci, ou pelo menos pensei conhecer, numa fase de busca por tudo quanto é novidade mundana.
Em relação aos demais cinemas (Cines Fátima, Coronel Ribeiro, Lafetá), íamos lá somente para assistir filmes de artes marciais, eventualmente ou censurados para menores de 18 anos.
Cabia restritamente aos Cines Montes Claros e São Luiz a exibição de filmes considerados culturais e famosos mundialmente.
Por sinal, o São Luiz primava também pela qualidade do som e projeção, detalhes que os outros deixavam a desejar.
Não falei do Cine Ipiranga, no bairro Morrinhos, por um motivo: morria de medo de adentrar em sua sala, pois a garotada daquela região não gostava de estranhos perambulando em seu território.
Assim, por precaução, optei por não frequentar o Cine Ipiranga, o que foi seguido pelos demais componentes da nossa turminha encrenqueira. Melhor não provocar quem está quieto na sua…
Foi aí que sentimos o peso do veto sacana que costumávamos impor no Cine Montes Claros, dominando uma fileira inteira de poltronas. Muitas ficavam vazias o tempo todo do filme…
João Carlos de Queiroz