Por João Carlos de Queiroz – Já se diz, há tempos, que “carnaval não é coisa de Deus”, pois transforma seres humanos em completos alienados. Metamorfose que inclui até o disfarce de suas próprias angústias, a começar da luta diária pelo pão de cada dia. Há folião que sambou euforicamente com o estômago vazio até o amanhecer desta Quarta-Feira de Cinzas, impregnado de inexplicável euforia elétrica durante todo o transcurso momesco. Nem se lembrou dos gritos das crianças em casa, pedindo leite.
Tradicionalmente, esse ingrediente ilusório, chamado carnaval, é droga infalível injetada no espírito popular, ministrada para disfarçar as crises que afundam as classes menos favorecidos do país numa areia movediça de indigência impiedosa. Dessa forma, o carnaval contagia moradores de ruas, favelados e assalariados. Estratégia maquiavelicamente utilizada por governantes insensíveis e pelo empresariado {os que lucram com a desgraça do povo}.
Tal medida é utilizada há décadas, a fim de esconder o lado capenga do Brasil e a falta de perspectivas alentadoras do “território faz-de-conta”. Os integrantes das classes sociais mais humildes, sabem os grandões da política e do empresariado, são os que mais sofrem. Então, reside na conclamação do samba {carnaval} e do futebol os principais remédios endereçados ao ingênuo Zé Povo, que gargalha feliz com corote de cachaça nas mãos, cortando os calcanhares dos pés descalços nos paralelepípedos das ruas. Até agora deu certo, sendo antídoto efetivo durante os dias de folia, incluindo os preparativos carnavalescos.
Mas, com o fim do carnaval, pressupõe-se que a gama paupérrima de iludidos caia em si, retome as rédeas da realidade à sua frente. E ela não é, necessariamente, algo animador, mas muito sombrio: desemprego, crianças famintas, contas pendentes de água, luz, vestuário maltrapilho, falta de moradia, etc. A presente alusão tem foco direto na massa populacional do país, não na minoria privilegiada das classes política e empresarial. O povo que sambou nesses quatro dias foi para esconder seu desespero, centrado principalmente na fome.
Resta aos famintos foliões aguardarem a chegada de julho, quando eclodem campanhas de agasalho e alimentos. Depois, na sequência, vem o Natal, e aí é outra saraivada de campanhas públicas e privadas propagandeando um Natal abundante para quem nada tem na despensa. Parece mesmo que o pobre só sente fome nesses dias santos, mantendo-se em jejum miraculoso durante o restante do ano. E que o arrasta-pé carnavalesco tem o poder mágico de posicioná-lo num patamar de santidade, banindo por completo suas necessidades mais elementares. Comida é uma delas.
*João Carlos de Queiroz é jornalista