O professor João José lecionava Português no Colégio Marista São José. Um dos mestres mais competentes que conheci. Também primava por manter ética fenomenal no trato diário com seus alunos. Nunca o vi discutindo com nenhum colega meu, ou mesmo à parte da sala de aulas. Comportamento que o elevou à categoria de bacana, dentre tantos outros irmãos maristas.
Tornou-se comum vermos sua figura emblemática circulando discretamente pelas alamedas do colégio a partir da estridente sirene – que denominávamos de “campainha” – entoar sem tréguas pelo imenso pátio do estiloso educandário. Chamada mal-educada, sem dúvida…
João José, observei, nunca parava nesse percurso para bater papo ocasional com ninguém, ainda que a abordagem fosse feita por algum outro professor. Só sinalizava que depois conversariam.
À visão de sua proximidade, os alunos se enfurnavam na sala feito coelhos nas tocas. Eu também descia trôpego a rampa rumo à minha classe que nem foguete. Problema chegar lá depois dele…
Ao andar, outra observação, o solene professor João José mantinha sereno olhar ao destino, pastas escolares retidas firmemente debaixo do braço esquerdo. O braço direito sustentava uma pequena maleta, sempre repleta de livros, canetas, apagador, etc…
Por vezes, João José entrava na sala dizendo para estarmos a postos, com caneta e papel em mãos. Lá vinha alguma missão chata, pensava, a exemplo de trabalhos em grupo. Os colegas mal sabiam o ABC, quanto mais oração coordenada disso e daquilo…
Compenetrado na função, o professor retirava um a um os pertences da maleta, sem perder de vista o movimento da sala. E se algum indício se balbúrdia se instalasse, João José nos olhava detidamente por alguns minutos, sem falar “a”. Todos gelávamos ao vê-lo assim…
Na verdade, demorou que entendêssemos que o nobre mestre apenas queria o nosso bem, transformando-nos em pessoas cultas, cidadãos exemplares. O espírito de colaboração a esse propósito se sobrepôs à rebeldia esboçada ocasionalmente em classe.
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Surpreso pela sua atitude, João José me dispensou das aulas em algumas ocasiões, dizendo ser desnecessário estar presente para ouvir algo que já sabia “de cor e salteado”. Nem eu sabia mesmo o quê…
Era designado então para pesquisar o que quisesse na biblioteca, ou auxiliar na montagem de peça teatral a ser apresentada no encerramento do ano letivo.
Ainda liberado pelo gentil professor das aulas de português, auxiliei o projecionista oficial do colégio a ajustar filmes nas máquinas 16 mm no auditório do São José, sediado no andar superior. Gostava de ver a expectativa dos alunos de outras salas, aguardando o início da sessão.
Prazerosamente, eu ajustava a película 16 mm nos dois projetores posicionados lado a lado, a fim de que não houvesse interrupção do filme quando um rolo fosse finalizado, momento de o segundo entrar em ação com o mesmo volume de som e nitidez de imagem.
Agradeço ao mestre João José por me designar tantas tarefas que considero saudosas. A da parte de cinema culminou com paixão desenfreada pela Sétima Arte, o que cultuo ainda hoje…
João Carlos de Queiroz