Até os anos 70, Aparecida do Mundo Novo (então distrito de Montes Claros-MG) era mais um dos lugarejos esquecidos do Norte de Minas Gerais. Cidadela sem nenhum porte alvissareiro, acanhada, constituída de ruas estreitas e em desacordo com qualquer traçado urbano razoável. Algumas de suas vielas aparentavam estranho “requebrado feminino”, finalizando em becos íngremes e sem saída…
Andar à noite pelas traiçoeiras vielas se constituía em empreitada perigosa, podendo culminar em algum tombo surpresa, ladeira abaixo. Principalmente no período chuvoso, quando o barro assumia papel de escorregador por tudo quanto é lugar mais ou menos transitável…
Fui a Aparecida do Mundo Novo mais ou menos por essa época, acompanhado dos irmãos Afonso Celso e Floriano Magalhães Ferreira {esse último, foi convocado recentemente por Deus…}. A missão oficial era participar de casamento de uma parente dos Ferreira, cerimônia marcada para a manhã seguinte. Ainda recordo de dona Feli Lucrécio Ferreira, mãe dos amigos, fixando seu volumoso penteado. À falta de laquê, ela usou água com sabão…
Chegamos na tranquila Aparecida no início da tarde, em pleno aguaceiro ininterrupto. A chuva forte só deu trégua no cair da noite. Foi quando resolvemos sair para conhecer melhor o lugar, papear com seus moradores.
Nessa primeira incursão noturna, descobrimos um único bar aberto; imóvel deteriorado e com luminosidade tremulante. O tablado de acesso ao seu interior apresentava falhas e rangido incômodo…
Por um esforço mínimo de imaginação, dava para imaginar estarmos numa cidade do Velho Faroeste, com luzes mortiças aqui e acolá emitindo projeções de vultos sorrateiros. Só faltavam cowboys tilintando esporas e ares de valentia…
No porta do tal bar, havia movimentação animada de pessoas no ambiente – um entra e sai ininterrupto. Mesmo lá de fora, quando ainda estudávamos a possibilidade de desistir, ouvia-se cacarejo tresloucado proveniente de tacadas sucessivas. Jogatina de sinuca em curso…
Optamos por entrar para estabelecer convívio amigo com os presentes; e assim conhecemos alguns dos respeitados ases de sinuca dessa localidade. A princípio, eles regraram sorrisos, estendendo as mãos calejadas para selar um aperto de paz. Compreendemos que o trabalho duro na roça precisava ter algum fôlego noturno; mesmo que fosse à custa de tacadas toscas, desferidas em horas mortas…
Após os cumprimentos, os “novos amigos” (que todos propagavam ser mestres da sinuca) nos convidaram para jogar, sibilando ironia no olhar. Nenhum de nós tinha experiência com sinuca, mas aceitamos o desafio educadamente. No íntimo, sabíamos ser “patos ocasionais”; afinal, eles eram mosqueteiros da sinuca…
O JOGO…
Floriano se posicionou numa das pontas da mesa, concentrando-se para desferir a primeira tacada. Movimento aguardado com expectativa por mim e pelo seu mano Afonso. Mas, para espanto geral, ele encampou certeiramente a primeira bola, e outras sucessivamente. A cara de surpresa dos pretensos “mestres de sinuca” da localidade dizia que não esperavam aquilo…
Também arrisquei algumas jogadas, sendo coroado de êxito. O resultado foi catastrófico para os desafiantes locais: perderam todos os jogos. Eles sorriram amarelos diante do papelão protagonizado diante dos conterrâneos…
De volta a Montes Claros, num ônibus sucateado e poeirento, comemoramos a surra de sinuca que promovemos nos arrogantes jogadores locais. Mas ninguém soube explicar até hoje o porquê de termos sido tão hábeis nas tacadas, finalizando (vitoriosos) várias rodadas. Penso hoje que fomos auxiliados por algum espírito de jogador experiente e que talvez quisesse se vingar dos fanfarrões locais…
Por João Carlos de Queiroz