Américo Martins: de cara zangada a bom amigo…

Conheci o empresário Américo Martins Filho em 1974, quando trabalhei como office-boy na Reitoria da Fundação Norte Mineira de Ensino Superior, que funcionou no mesmo prédio do Jornal do Norte. Américo mantinha modesto escritório ao lado do velho casarão, onde despachava negócios diversos.

Eu o qualificava de mal-humorado, pois sempre chegava extremamente sério na garagem, já questionando o funcionário Ricardinho Versiani sobre isso e aquilo. Se acelerasse o carro em excesso, um imponente Dodge Dart, era indicativo de irritação dobrada…

Ricardinho sorria visivelmente amarelo ao dar de cara com o patrão, dando a entender que nosso papo terminara naquele dia.

Américo, por sua vez, mal me cumprimentava, direcionando olhares críticos à minha pessoa. Só descobri o que pensava quando indagou se não tinha nada pra fazer na Reitoria, além de papear todos os dias com Ricardinho…

O pobre Ricardinho nem soube como agir diante da alfinetada, optando por mais sorrisos amarelos. Hora de vazar da garagem, de volta à Reitoria…

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Certa vez, Américo quis saber se eu tinha algum distúrbio psíquico. Melhor dizendo: se era doido.

Ouvi isso sem entender bulufas, ainda mais pelo sorriso irônico do empresário, aparentemente à espera de resposta. Ele mesmo explicou:

– Esse negócio de sair catando cachorro de rua é coisa de louco, rapaz! Nunca vi ninguém agir assim!

Senti-me humilhado ao ouvir palavras tão duras. Mesmo porque, há anos, amparava os animais abandonados por piedade.

Inflexível, Américo bebericou seu gim tônica e me despachou logo, sem cerimônias:

– Agora, vá trabalhar! Devem estar esperando você na Reitoria com pacotes de correspondências.

Ele sabia que minha função se restringia a distribuir correspondências nas faculdades locais, somando-se a atividades bancárias e nos Correios.

Ao sair, puxando minha motocicleta pra fora, sem-graça, deduzi que aquele papo foi um recado explícito para não deixar mais a moto na sua garagem.

Nem Ricardinho entendeu direito; e, sempre temeroso de reprimendas do patrão, preferiu nem comentar nada…

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Dias após, com a motocicleta estacionada em frente à Reitoria, flagrei Américo observando-a detidamente ao entrar na garagem. Já subi rápido a escadaria.

Surpreendentemente, via o amigo Ricardinho, Américo quis saber por qual motivo eu debandara da garagem.

– Ele disse que você pode deixar a sua moto lá, sem problemas…

Expliquei pra Ricardinho que seu patrão era muito complicado, e assim preferi não levar pitos desnecessários. Não sei se transmitiu o recado dessa maneira…

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Aos poucos, Américo passou a me cumprimentar de forma receptiva, e até me convidou pra prosear com ele, algumas vezes. Tinha visível interesse em saber o que pensava a respeito de temas diversos.

Naturalmente, em função da idade adolescente, imaginei que fizesse troça do meu pouco conhecimento.

Posso assegurar que foram mais sabatinas do que qualquer coisa. Ao menor vacilo nos questionamentos, o empresário corrigia prontamente ácido. Recado de que não sabia nada de nada…

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Jamais eu e Américo falamos sobre imprensa, literatura, etc, nas ocasiões em que me deixou sentado à sua frente no escritório-garagem, vasculhando silenciosamente o monte de papéis na mesa.

Foi mais ou menos por essa época que comecei a descobrir algum talento para redigir textos literários. Tive total incentivo de colegas da Reitoria, primeiros a ler minhas crônicas.

Na sequência, publiquei algumas no “Diário de Montes Claros”, decepcionando-me por vê-las impressas com tantas correções, inclusive títulos modificados. Pelo visto, escrevia mal…

João Carlos de Queiroz