Ainda que o Trem Azul passe só com fantasmas…

Distrito Engenheiro Pires e Albuquerque {rebatizado de Alto Belo} nunca se conformou em perder o cômodo bate-trilhos entre as principais cidades do próspero Estado. A pequena estação dessa antiga comunidade era a segunda parada do trem, após deixar Montes Claros - a "Princesa do Norte de Minas".

Distrito Engenheiro Pires e Albuquerque – O Trem Azul deixou de circular entre o Norte de Minas Gerais e Belo Horizonte-MG nos anos 80. Para os moradores de Engenheiro Pires e Albuquerque, distrito bocaiuvense, a retirada da tradicional composição significou muita tristeza e desalento.

Alguns ainda se recordam do grande alvoroço a cada parada do Trem Azul em ambos os sentidos, rumo à capital mineira, BH, ou a Montes Claros. O embarque e desembarque de bagagens agitava a pequena estação ferroviária de Pires.

Desde então, sobrou tão-somente profunda nostalgia, parcialmente alquebrada pela passagem impessoal de cargueiros diários…

Na análise técnica de especialistas em logística, a interrupção do transporte de passageiros pela R.F.F.S.A., no Norte de Minas, foi uma das decisões mais lamentáveis da classe política brasileira. Pois é impossível contestar a grande utilidade social e econômica prestada pelo Trem Azul, durante décadas.

Semblante triste, o vaqueiro Jair de Viana, morador em sítio próximo, insiste em montar campana eventual nas imediações do saudoso terminal de Pires. Ou melhor: dos escombros. É que o importante ornamento histórico também foi irresponsavelmente demolido.

O único indício de que ali existiu uma pulsante estação ferroviária é a rampa de acesso à plataforma; bravamente, ela resistiu à destruição…

A impressão que se tem, enfim, é que quiseram decapitar o passado de Pires e Albuquerque. Tentativa inútil, lógico: nenhum morador se conformou até hoje com a mudança destoante de nome. Pires fica numa baixada, não em lugar alto.

Conforme Jair de Viana, resta viver doravante apenas de sonhos, tendo em vista a inviabilidade de que o Trem Azul, ou outro qualquer, de passageiros, volte a transitar novamente por Pires.

– Os cargueiros passam por aqui todos os dias, mas nem param em Pires, somente reduzem a marcha, por medida de segurança. Transposto os limites da comunidade, aceleram e tocam direto rumo a Montes Claros ou BH  – comenta Jair.

O popular sitiante acrescenta que gosta de ir ao distrito apenas para escutar e ver o grande comboio martelar firmemente a via férrea, independente da frieza de trânsito pelo distrito.

– Fico imaginando o quanto seria bom se anexassem vagões de passageiros aos de carga. Nem que levassem apenas fantasmas, já seria algo bom de se ver… – salienta sorridente.

Há quem diga que Jair de Viana deve ver fantasmas postados em vagões imaginários de passageiros.

Isso porque, toda vez que o amigo Jair toma assento nas imediações da linha e o comboio passa pelo distrito, trotando força descomunal, o nobre vaqueiro acena alegremente, sem parar.

Os primeiros acenos foram para os maquinistas, já a centenas de metros à frente. Estranho ele cumprimentar cargas…

– Se brincar, Jair de Viana pode estar é saudando  lobisomens caroneiros – ironizam seus conterrâneos.

– Vocês também conseguiriam ver passageiros se prestassem mais atenção – é resposta frequente do vaqueiro às instigadas dos amigos.

Jair diz isso seriamente, sem emitir nenhum traço zombeteiro na fisionomia ou voz.

Se assim for, caso Jair de Viana esteja mesmo vendo passageiros embarcados em outro mundo, é hora de chamarmos o último caçador de lobisomens que ainda vive em Pires, o bravo sitiante Sebastião Pimenta, popular Nem.

Com meu valente primo-irmão Nem na lida guerreira contra todo tipo de coisas ruins, nenhum lobisomem sequer vai se atrever a pegar carona nos cargueiros que há anos emitem fria saudação aos moradores de Pires…

João Carlos de Queiroz, jornalista