Ainda que o Rio Verde queira nos levar, sempre há um Tarzan a postos…

Se for rememorar cada trecho da minha infância, talvez uma biblioteca inteira não consiga comportar tantos volumes. Uns creditam méritos a relatos de cunho infantil, na minha opinião bem medíocres, indignos de qualquer elogio literário. Outros, mais realistas, acompanham friamente os passos de retrocesso a um passado que deixou marcas, e também máculas. Mas tudo valeu a pena, posso assegurar.

Na esteira de lembranças, vem à mente o empenho do padrinho JOSÉ NAHUR em nos brindar com passeios memoráveis nas margens do Rio Verde Grande, terras de alguns parentes maternos (Tião de Arlinda, tia Laura e outros). Já a Lagoa de DEBA, que recebeu esse nome por estar pouco abaixo da fazenda de um parente que nunca vi, era reservada apenas aos pescadores Carlos PETRONILHO, meu pai, o padrinho NAHUR, e os tios JOAQUINZINHO, Hugo e Tião.

Outros amigos compunham esse grupo, a exemplo de Zé Cachorrinha, borracheiro de mão cheia, reconhecido cozinheiro dos acampamentos. Fazia par com JOAQUINZINHO, craque em preparar quitutes para a tropa das redes e tarrafas.

No geral, os passeios com familiares (esposas, filhos, netos) recaíam no Rio Verde, cujo acesso tinha sabor aventureiro, lembrando as savanas africanas. A picape laranja da SOMOP, empresa de propriedade do padrinho e do sócio Pita Lopes, cortava tranquila o capinzal rumo ao rio.

O tio NAHUR conhecia bem a trilha pesqueira, e nunca tivemos problema nesse trajeto. Só a prima Silvana, coitadinha, foi torpedeada certa vez por um enxame de abelhas, surgidas não sei de onde. Silvana sapateou feio em cima da carroceria da picape, quase arrancando os próprios cabelos. O motivo de apenas ela ser atacada, jamais soubemos…

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Já na beira do rio, mal chegávamos, as mulheres tratavam de ir providenciando tudo para o almoço não atrasar, montando fogão com pedras perto da água, a fim de facilitar coleta d’água e lavagem de panelas. Geralmente, o cardápio era simples, arroz, feijão, batatas e frango. Uma delícia aquela comida cheirando a fumaça!

Mas deixando de trololó, antes que eu mesmo fique entediado com um texto tão idiota, depois do descanso do almoço, geralmente de duas horas, a turma sempre voltava ao rio, naquela época meio caudaloso. Foi-se o tempo em que o Rio Verde ofertava pontos perigosos, poços fundos, traiçoeiros. Meu pai costumava alertar para termos cuidado.

Sentindo-se corajosas, algumas mulheres embarcaram numa câmara de ar de trator, realmente grande, e lá foram saracotear pelas correntezas do rio. Logo pararam no poção temido até por pescadores veteranos, passando a gritar por socorro, desesperadas.

Crianças, nós não tivemos noção de como poderíamos salvá-las, e assim nos limitamos a observar o desespero da turma feminina, em coro pedindo socorro aos marmanjos esposos.

Uma vez que nenhum deles se mobilizou, meu padrinho NAHUR assumiu papel de Tarzan das águas, partindo em direção às quase náufragas em braçadas vigorosas, levando corda para puxar a embarcação inflada. Muitos temeram que não conseguisse chegar até elas, mas NAHUR conseguiu, para alegria geral.

No retorno, o padrinho parou duas vezes para catarmos marmelada de cachorro, frutinha que parece cocô de cães. Apesar do aspecto esquisito, desce bem…

VOLTAMOS muitas vezes ao mesmo lugar, porém sem que as aventureiras novamente tentassem navegar por suas águas. Limitavam-se apenas a molhar o corpo no aconchego seguro das margens, onde precisavam se deitar para molhar o restante do corpo. Pelo visto, aprenderam a lição…

Por João Carlos de Queiroz, jornalista