Nos anos 90, fundei e presidi o Aeroclube de Várzea Grande por entender o quanto seria importante dotar Cuiabá com uma entidade formadora de pilotos civis. Na época, inexistia escola do gênero (subordinada ao Ministério da Aeronáutica) no Aeroporto Marechal Rondon. Apenas funcionava por lá uma escolinha particular (EPAM), propriedade do comandante Wagner. Os voos eram ministrados num Piper monomotor pelo instrutor Serginho.
Com o advento do aeroclube (sediado em Várzea Grande por inexistir aeroporto em Cuiabá), abriu-se promissor cenário àqueles que sonhavam em comandar aeronaves comerciais ou mesmo particulares. A luta para fundar a entidade de instrução primária foi extensa e com entraves pela falta de recursos para bancar o andamento de todo o processo de fundação. Intercalei esse trabalho com minhas atividades de repórter do Jornal do Dia (extinto há anos).
Resumindo a ópera, pois essa é uma história deveras cansativa: o AEROVAG já nasceu com uma aeronave zero em folha – monomotor Aero-Boero 115, fabricado em Montoros, Argentina. Foi cedida pelo Ministério da Aeronáutica, por meio do Sexto Serviço Regional de Aviação Civil em Brasília-DF. O órgão era comandado pelo coronel-aviador Nahur Fiuza Júnior. Para buscar o avião em Maricá-RJ, foi preciso treinar um piloto para obter a licença de instrutor. Isso foi feito no Aeroclube de Jaciara, custos que banquei com meu salário. O então governador Jayme Campos auxiliou com passagens e diárias do piloto.
Dessa forma, aos trancos e barrancos, fundei e presidi o AEROVAG, conseguindo a homologação dos cursos prático e teórico, além de médico especializado para realizar o Certificado de Capacidade Física nos alunos. O oncologista José Sabino Monteiro Filho assumiu tal função, por indicação minha. Meu grande parceiro nessas atividades foi Benedito Figueiredo, que assumiu a presidência depois que deixei o cargo. “Dito” já nos deixou há anos…
O AEROVAG funcionou bem até recentemente, época do comandante Vargas, quando mudaram a diretoria. Na sequência, perdeu gradualmente seus maiores patrimônios, a exemplo do “Paulistinha”, Cap-4, motoplanador Ximango e o próprio Aero-Boero 115. O indócil avião se acidentou durante uma aterrissagem, conforme informações da diretoria. Cena triste ver o Boero em cima de um caminhão, com sinalização clara de que, tão cedo, não irá voar. Ou talvez não voe nunca mais…
O fato é que o Aeroclube está literalmente afundando para ser extinto de vez. Por causa dessa pandemia, não voa desde março último, informações repassadas pela “direção”. E sem instrumentos operacionais, não é preciso ser adivinho para imaginar que o antes promissor aeroclube não tem nenhum futuro consistente de sobrevivência.
Fico triste em saber que lutei em vão, durante anos, para depois assistir o desmonte de todo um trabalho idealista. Oxalá os que assumiram o aeroclube tivessem passado pelos mesmos percalços que enfrentei para valorizar essa entidade. Foram incontáveis reuniões e estudos para fundação e efetiva implantação da entidade em solo mato-grossense. Sem contar os gastos e viagens entre Cuiabá e Brasília…
Se nesta segunda-feira fosse 2 de Novembro, de Finados, eu levaria flores para o AEROVAG em qualquer cemitério de Cuiabá ou Várzea Grande, prestando-lhe merecida homenagem pelos serviços cumpridos quando na ativa. Porque, daqui pra frente, imagino que o ronronar gracioso do Aero-Boero será apenas uma espécie de fantasma saudoso no céu das duas principais cidades do Estado.
A verdade é que o robusto treinador – embarcado solenemente de carona na carroceria de um caminhão – jaz hoje em eterno repouso. Lacre que sentenciou o fim de uma jornada de formação de muitos aviadores. Se estiver 100./. enganado, vou comemorar no carnaval; só não sei quando a barulhenta folia momesca volta a ser protagonizada no Brasil…
Por João Carlos de Queiroz, jornalista