MONTES CLAROS-MG – Na fase adolescente, um dos meus passeios prediletos era mergulhar nas águas cálidas do Rio Cedro, a poucos quilômetros de casa. Morava então no bairro Edgar Pereira, saída para várias cidades ribeirinhas (Januária, Manga, São Francisco, etc…).
Por ser ainda muito novo, ia sempre ao Rio Cedro em companhia do mano mais velho e dos primos, além de outros amigos. Uma turma bem farrista, animada ao extremo.
No percurso de ida, o único esforço extra se constituía em vencer a serrinha poeirenta, lateral à fábrica de cimento. Transformávamos em “espantalhos do pó” depois desse trecho…
Mais adiante, em poucas pedaladas as magrelas desciam velozes a estradinha de poucas curvas, aportando na ponte do rio.
Se os freios não fossem acionados, a velocidade das bicicletas se tornaria incontrolável…
Tratava-se de trecho “indócil”[nem sei se ainda existe…], capaz de pregar peças surpresas, em decorrência de curvas e cascalho escorregadio.
Por causa disso, nas várias vezes em que fomos ao Cedro pude assistir quedas espetaculares dos amigos.
Também escutei berreiros intensos de dor; imprevistos que atrasaram nosso desembarque na ponte.
Mais cabreiro, eu descia já firmando os pés no freio traseiro, ciente de que qualquer descuido implicaria em “aterrissagem” forçada e suculentos arranhões.
Somente numa ocasião, derrapei feio ao tentar fazer curva, dando de cara com cerca de arame liso. Por sorte, só tive leves arranhões nos braços…
RESUMINDO…
Durante a viagem de ida ao Rio Cedro, tudo se constituía em maravilha total, expectativa de dia agitado e muito feliz; já na volta…
Primeiro, unia-se extenuante cansaço físico [nadar cansa muito] ao desafio de empurrar as bicicletas, serrinha acima.
Terminamos apelidando a traiçoeira serrinha de “Despenca Trouxa”. Quantos tombos…
O incômodo maior era ver um casarão abandonado no meio desse caminho. Na descida, passávamos velozes por ele; porém, na subida, o sombrio imóvel parecia nos ameaçar…
Um dos primos disse que ali morava uma bruxa malvada, e ela não gostava nadinha do mínimo barulho.
Assim, subíamos sempre calados, evitando emitir qualquer outro tipo de ruído. A única exceção permitida ficava por conta da respiração arfante e o ranger cadenciado das pisadas no cascalho solto…
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Nos meus 12 anos, acreditei mais ou menos na existência dessa tal bruxa. E assim, driblando o temor, tentava captar algum vulto nas janelas abertas do andar superior do esquisito imóvel. Nunca logrei ver nada.
Mais sacana, Nivaldo Bundinha disse que a famosa bruxa também gostava de se refrescar nas águas do Rio Cedro.
– Vai que ela queira nadar com você… – falou sarcástico. Arrepiei meu corpo só de ouvir tal possibilidade…
Cismado, nos passeios seguintes evitei ficar sozinho em determinados trechos do rio, temeroso de que a velha bruxa pudesse aparecer de repente.
Zombadores, os primos mais velhos perceberam meu medo, e fustigavam mais e mais:
– Fique esperto, João: vi a velha bruxa da serrinha descendo agorinha pela lateral da cachoeira. Deve estar escondida, à espera de que você fique sozinho! Dê um abraço nela!
Nem preciso dizer que, daí por diante, praticamente eu corria atrás deles para não ficar sozinho nas margens do Rio Cedro.
O interessante é que nenhum outro visitante do local sabia dessa bruxa.
– O casarão da mata? Ali morava é uma família, pelo que sei… – ouvi de um senhor.
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Não confiando muito em informações aleatórias da inexistência de bruxa, o simples empurrar de bicicleta se transformou numa maratona célere a cada retorno pra casa.
Malandros, o mano mais velho e os primos também disparavam correndo ao se aproximarem do sobrado.
– Corre, João!!! Vimos a bruxa vindo pra cá! – gritavam em coro.
Corri mais desesperado quando um deles até largou a bicicleta para trás…
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Essa foi uma fase de prazer associada a confesso pavor: banhar-se languidamente nas águas infestadas de parasitas [esquistossomose ] do Rio Cedro jamais amenizou meu trauma de passar ao largo da casa abandonada – a suposta residência de uma bruxa…
Por João Carlos de Queiroz, jornalista