A turma da roça, em Pires, aguarda balas do céu…

Montes Claros – 1985 – Domingo ensolarado, dia bom para cair n’água, curtir a natureza. E também para voar, lógico. Aliás, para quem gosta de aviação, qualquer dia {e hora} é convidativo a um passeio entre nuvens. Estar no ar, cruzando horizontes impensados, traz muita satisfação; pilotar, enfim, se enquadra entre as melhores terapias.

Foi assim que aportei bem animado no Aeroporto de Montes Claros, abastecendo o monomotor Cessna 150, prefixo BKT. Marquinhos, abastecedor, mais uma vez nos desejou boa viagem. Expliquei que seria apenas um voo “esquenta-avião”, visto que toda máquina precisa funcionar regularmente.

– Vamos sobrevoar a região de Pires e Albuquerque, Marquinhos. Logo, logo retornamos…

O sorrisão de Marquinhos, um dos cidadãos mais carismáticos que tive a honra de conviver, indicou estar também feliz por aproveitarmos cada momento da vida. “Hoje está bom mesmo pra voar, meninos!”, salientou.

Devo esclarecer que, na época, tinha 28 anos. Daí a expressão meninos…

Eu e o piloto Paulo Sérgio Marino de Oliveira retribuímos a gentileza de Marquinhos com sorrisos e apertos de mãos; Marquinhos irradia carisma…

Tanques cheios, o monomotor 150 deslizou suave rumo à cabeceira 35 da pista. O aeroporto estava calmo, como sempre, e a temperatura local oscilava entre 26 e 27 graus. Hora de decolar…

Antes mesmo da intercessão, o asa alta bicou os ares apetitosamente, despedindo-se da língua oposta da pista; a ponta negra, malhada de branco, surgiu e desapareceu de modo rápido, ao aproarmos à esquerda.

Já efetuada curva de 180 graus, o avião cruzou soberbo o desértico aeroporto, e pude ver Marquinhos, ao lado da bomba de combustível, nos acenando aos pulos. Nossa proa era a serra cortada pela Br-135, de onde avistaríamos o distrito bocaiuvense, Pires e Albuquerque, rebatizado de Alto Belo.

Por conhecer a rota, mantive o avião na rota em curso, que nos levaria ao sítio do primo Sebastião Pimenta, Nem. Sabia que os primos, criançada, aguardavam guloseimas, e assim levava pacotes de balas para lançar sobre o pátio da casa.

Indescritível a emoção que sempre senti ao ver a casa dos queridos familiares paternos aproximando-se velozmente, à medida que o avião baixava. Os rasantes sobre o sítio tinham o objetivo de chamar a atenção da turma, reunida a seguir para receber os pacotes aéreos. Lá vinha balas do céu!

Espertas, as crianças, juntamente com os adultos, já saíam da casa segundos após o primeiro rasante, passando a aguardar o lançamento dos pacotes.

Nas primeiras vezes, por erro de cálculo, alguns pacotes ficaram perdidas na mata frontal ao sítio, mas refizemos os cálculos e nenhum mais se perdeu, a partir de então. Dava gosto ver a alegria dos primos correndo para pegar cada pacote…

Jair de Viana, vizinho dos primos Nem e Zezé, também levava seus filhos para pegar balas; isso virou uma sadia competição campestre. Divertido ver todos correndo pra lá e pra cá atrás de cada pacote, e a expectativa geral quando o avião se aproximava para mais lançamentos…

Depois, ao aparecermos no sítio, por via terrestre, ganhávamos caprichado almoço, quitute preparado pela prima Zezé. Ainda sinto o gosto daquele pequi carnudo, amarelão, e do quiabo. Delícia pura!

*Esse singelo relato decorre de papo telefônico que tive hoje com minha priminha Cássia Pimenta, senhora cinquentona. Mas ela nunca esqueceu da fase criança, e das balas que vinham do céu, por obra e graça desse primo caduco.

João Carlos de Queiroz, jornalista