Quando criança, e até mesmo adolescente, tive algumas professoras extremamente carinhosas. Compreensivas aos traquinas alunos, elas nos mimavam com abraços e beijos afetuosos, sem qualquer malícia. Essa imagem terna marcou minha passagem por vários educandários de Montes Claros-MG.
Já quarentão, surpreendi-me ao visitar barzinho famoso do Jardim Tropical, em Cuiabá-MT, quando um amigo me apresentou sua ex-professora de universidade. De antemão, antes de nos aproximarmos da mesa em que a mulher bebia solitariamente , ele avisou:
– Cuidado: ela é uma beijoqueira contumaz, fique esperto! Bobeou, tasca beijo! NINFOMANÍACA, cara!
Achei graça daquilo, deduzindo ser piada improvisada do amigo. Mas ele repetiu:
– É sério, mesmo! Você vai ver…
Não acreditei numa só sílaba. Como, beijoqueira?! Tinha diante de mim uma mulher elegante, finíssima! Nenhuma tonta.
Calculei que deveria ter de 45 a 48 anos de idade, no máximo. Sem querer parecer machão, ali estava uma coroa dos sonhos de qualquer um…
Mais próximo, aproveitando facho de luz que focava seu corpo, não visualizei flacidez de pele e tampouco rugas no rosto e nas pequenas mãos. Nada que denotasse dezenas extras de anos à parte da fase áurea da juventude.
Ela se levantou ágil para nos cumprimentar (omitirei seu nome, óbvio) já assanhando os cabelos do ex-aluno. Ele alardeou mais sorrisos divertidos ao receber esse mimo.
Sorrindo, a professora exibiu dentes alvíssimos, alinhados esplendidamente. Mulher perfeita.
Uma arcada dentária tão impecável tendia a ser dentadura, suspeitei. Acomodados na mesa, cochichei isso ao amigo. Antes de responder, ele imprimiu ar indignado e de espanto no seu semblante redondo.
– Essa é uma mulher chique, cara! São dentes naturais!
Sem timidez, ela aconchegou nossas mãos simultaneamente, indicando estar feliz por nos ter ali pertinho. Senti maciez de pétala de rosa naquele carinho…
Logo entramos a falar sobre tudo, inclusive fofocas. Inteligência e conhecimento também sobravam na professora…
A professora pedia que repetisse algumas coisas, talvez por não escutar direito. Deixa para encostar mais sua cadeira junto a mim.
Estranhei vê-la a menos de um palmo, esbanjando sorrisão feliz de “estou pronta para você”. Isso dizia explicitamente nos olhos verdes…
Esperto, meu amigo flagrou o início do flerte, cutucando-me levemente.
Percebi, pelas suas sobrancelhas arqueadas, interligadas no legítimo estilo árabe, que já tinha em mente os próximos acontecimentos da noite…
– Viu aí? Ela já está no ataque! Prepare-se!
Inevitável um olhar esgazeado. Não queria ser surpreendido…
A professora colara seu rosto junto ao meu, e disparou perguntas sibilantes. Senti o vento de cada palavras nos tímpanos.
– Você vem sempre aqui? Esse seu amigo aí não sai daqui. Vim também com ele algumas vezes.
– Não sou chegado a estilo chorinho… – respondi na defensiva.
Aproveitamos para pedir mais bebida ao ver o garçom na mesa ao lado.
A professora não parava de falar e de afagar minha face, cabelos, orelhas. Realmente, ela no ataque…
Como quem assiste um filme devorando pipoca, meu amigo alternava goles de cerveja nos observando risonho.
– Você gostou de mim? – perguntou direto.
Dei um sacolejo na minha timidez repentina, lembrando ter 41 anos. Normalíssimo tudo aquilo, portanto…
Respondi que sim. A professora abriu novo sorriso contente, transcendendo vitória. E se achegou mais e mais, abraçando-me lateralmente.
Correspondi, lógico, concluindo que ficaríamos naquela posição terna. Ela forçou meu rosto a fitá-la e, sem avisar, lascou beijo surpresa.
Afastei-a delicadamente ao sentir seu hálito recendendo a cigarro e bebida etílica. Não foi legal para ambos…
Ela estranhou, naturalmente.
– Ei… Não gosta de mulher, é?! – pergunta de disparate.
– Não sou gay, se quer saber. Só fui surpreendido…
A professora gargalhou feito meu amigo. Não quis comentar sobre seu bafo indigesto.
Foi mais uma cena registrada pelo ex-aluno, que se retorcia rindo na cadeira de palha.
O garçom voltou com mais bebida para ela, creio que rum. Ela perguntou se eu queria dançar, e respondi ter torcido o tornozelo, dias antes. Desculpa.
Ela nem retorquiu, puxando meu amigo da cadeira, tipo uma intimação. E lá foram dançar…
Olhei-os rodopiando felizes, ao som de cavaquinhos e batuques de tamborim, pela diminuta área de dança. E apesar da pouca luz ambiente, pude ver que se beijavam. Meu amigo não mentira…
Posso dizer, seguramente, que perdi a conta de quantos beijos assisti sentado na mesa. Beijoqueira insaciável, de fato…
QUASE uma hora após, saímos desse barzinho para procurar um outro mais animado, e fomos cair justamente num palco roqueiro, que existia na esquina da antiga Escola Técnica Federal.
Pelo que percebi, ambos estavam acostumados a ir até lá, pois trocavam expressões mútuas de satisfação a cada trovoada roqueira. Impossível se comunicar ali, a não ser gritando.
A professora berrou que estava com saudades do meu amigo, e voltou a afagar seus cabelos, esticando os braços sobre a mesa.
Em dado instante, surgiu um colega nosso, e eles foram conversar no balcão do barzinho, deixando-me sozinho com a beijoqueira. Fim da trégua…
Por várias vezes, ela forçou beijos que eu não queria, a ponto de ser obrigado a virar o rosto. Seu hálito azedado pelo álcool e cigarro dificultava tudo. Como meu amigo a beijou tanto?!
Também percebi que ela salivava abundantemente; realmente indigesto ingerir tal gosma…
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Aproveitei o retorno do amigo para ir ao banheiro. Fiz questão de demorar bons minutos, antevendo que se sentariam juntos durante minha minha ausência.
Deu certo: estavam lado a lado, comprovei ao retornar. Sentei-me do outro lado da mesa para contemplar a sessão beijoqueira. Minha vez de me divertir…
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SAÍMOS dali bem tarde. Ética, a professora agradeceu pela noitada, dizendo que iria pegar um táxi.
– Nada disso: levo você! – disse meu amigo.
Ela reside nas cercanias da universidade onde ministra aulas, num condomínio de luxo.
No meio do trajeto até lá, abandonou o banco dianteiro para se alojar no traseiro, e assim voltou à artilharia beijoqueira. O alvo (eu) estava literalmente encurralado; tive que me render…
– Gostei mais de você! – cochichou ardilosa. Balancei a cabeça agradecido.
Pelo retrovisor, vi que meu amigo acompanhava o desenrolar daquela cena, sorrindo prazerosamente.
Ao desembarcar, a professora endereçou beijos a nós dois. E antes de entrar no condomínio, sinalizou que morávamos em seu coração. Retribuímos, lógico…
O portão automático do prédio emitiu um claque estrondoso ao abrir. Ela volteou olhar disperso, andando trôpega pelo hall, em direção aos elevadores. Vi que tirara os sapatos…
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– E então? Gostou da professora beijoqueira? Conseguiu o contato dela? Ela ficou bem na sua! – comentários maliciosos do meu amigo. Preferi nem dizer nada…
Por João Carlos de Queiroz, jornalista