A pequena defunta ainda anda por São Pedro das Garças…

Cândida era o seu nome. Menininha esperta, de apenas seis anos, porém sapeca ao extremo. Vivia correndo pelas ruas poeirentas da antiga São Pedro das Garças, região norte-mineira. Não havia quem não a conhecesse por lá, e, mais provavelmente, quem não tivesse sido vítima de uma de suas inocentes peças: tirar chapéu de idosos, por exemplo.

Assim Cândida viveu alegremente no tórrido sertão de Minas Gerais. Na medida do possível, dentro da simplicidade ofertada pelo lugar, ela pôde desfrutar do sabor genuíno da infância. Infelizmente, isso não durou muito: foi acometida por grave enfermidade; doença que a prostrou na cama.

A família, sem saber quais providências mais tomar, pediu a Deus um bom encaminhamento para a criança, já angustiada por vê-la sofrer tanto. Havia suspeita de que seu problema fosse câncer, mas os médicos não deram um diagnóstico conclusivo, mesmo após sabatina de exames realizados em Montes Claros, maior cidade próxima dali. Mais uma vez, a medicina recebia drible fantástico de doença…

Houve recomendações clínicas para a levarem até Belo Horizonte. Orientação inútil: sem SUS na época, e sem recursos financeiros, Cândida voltou ao suplício do seu leito familiar.

No transcorrer das semanas, ainda que estivesse sob efeito constante de sedativos, à base de morfina, as dores se intensificaram, e São Pedro das Garças, no silêncio da noite, passou a escutar gritos ainda mais lancinantes, oriundos da casa de Cândida. A pequena doente se revolvia inquietamente na cama, procurando conforto para aquele suplício…

Isso se tornou rotina por breve tempo, e uma manhã, ao ir checar se a filhinha conseguira dormir, os pais a encontraram morta. Eles disseram que o sentimento foi de alívio, aliado ao da dor pela perda da criança. Cândida não merecia sofrer tanto!

O velório da menina atraiu a cidade inteira, pois todos sabiam de sua história. Nem os idosos {que ficaram sem seus chapéus tantas vezes, ou tiveram a xícara de café derramada pela criança} deixaram de comparecer. Lá estava a defuntinha envolta em flores, acomodada num pequeno caixão branco, em cima da mesa. Tristeza geral…

Uma das amiguinhas de Cândida chegou a dizer que ela abriu os olhos quando se aproximou do caixão, detalhe que julgaram ser impressão da outra pequena. Manoelzinho também disse ter visto ela sorrir levemente ao tocar de leve nas mãos cruzadas sobre o peito. A mãe do menino, em puxão de reprimenda, recomendou que ficasse quieto e de boca fechada, para não dizer besteiras.

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A defuntinha ainda recebeu orações prolongadas no cemitério local. Nada de sepultura com laje, gaveta, apenas um buraco retangular comum, de mais ou menos sete palmos, cavado pouco antes. Caixão de criança facilita em muito o trabalho dos coveiros…

Transcorridos menos de três semanas, alguns boêmios disseram ter visto Cândida correndo pelas ruas de São Pedro das Garças, em direção ao cemitério. Seu vestidinho branco realçava na noite.

Naturalmente, tais comentários nem foram levados a sério, sendo atribuídos à cachaça ingerida pelos madrugadores…

No entanto, mais relatos vieram à tona a partir daí, com crianças dizendo ter visto Cândida em pé ao lado de suas camas, chamando-as para brincar.

Jorginho, um dos amiguinhos de Cândida, cujo passamento da menina foi encoberto pela família, a fim de não chocá-lo, contou tê-la visto balançando na rede da varanda, sempre cantarolando músicas infantis.

O menino, de uns cinco anos, nem tinha noção dos limites entre a vida e a morte, motivo pelo qual questionava frequentemente seus pais acerca das aparições e sumiços repentinos da querida amiguinha. “Quero brincar com ela, mas some rápido!”

Cândida virou autêntica assombração, típica alma penada. Difícil, daí em diante, alguém perambular por suas ruas, em horas tardias: podia significar encontrá-la numa das esquinas, sempre levando buquê de flores amarelas. Missas e mais missas foram encomendas para a alma da criancinha…]

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Há décadas que não vou a São Pedro das Garças, e nem sei como anda a cidade, sinceramente. Com certeza, deixou de ser aquele lugarejo provinciano, tornando-se município empreendedor, ávido por passadas modernistas.

Ignoro, portanto, se a menina Cândida ainda assombra os moradores locais, ou se tudo isso não passa de mais uma lenda urbana. O fato é que essa historinha macabra era contada pelos andarilhos da região do Norte de Minas Gerais; muitos batiam ponto de contínuo trabalho mascate em São Pedro das Garças.

Por João Carlos de Queiroz