O Cemitério Municipal São Gonçalo fica próximo a outro Campo Santo do município cuiabano, o do Parque Cuiabá, considerado o maior da capital. Há distinções gritantes entre ambos: o primeiro, de muros brancos, é notadamente simplório, comportando modesto espaço retangular. É o destino final de indigentes não identificados e, também, de “defuntos sem renda própria”, cujas famílias não tiveram condições de bancar serviços funerários.
Mas, para quem não sabe, mesmo gratuitamente, os que descansam de mãos cruzadas sobre o peito no Cemitério São Gonçalo não chegam ali feito um traste inútil: há rigor no procedimento respeitoso para que cumpram dignamente sua última etapa na terra. A urna cedida pela Prefeitura é de boa qualidade, não mero caixote de madeira e pano, conforme muita gente imagina.
Já o segundo cemitério, o Parque Cuiabá, prima por ambiente quase luxuoso, dotado de gavetas, crematório, lanchonete e jardim de grama verdejante, a perder de vista. Ali se encontram pequenas cruzes com plaquinhas contendo informações básicas acerca do(a) falecido(a).
POIS ENTÃO… A superioridade do Cemitério São Gonçalo {sobre o imponente Parque Cuiabá} decorre da natural plantação de melancias que envolve os simplórios túmulos, apresentando frutos imensos e muito saborosos. Há melancias refesteladas em cima de várias sepulturas, contam visitantes, e eles acham isso interessante. Até deduzem que os mortos (sete palmos abaixo) devem apreciar o odor adocicado dessa fruta.
Inclusive, quando atuava na Secretaria de Comunicação de Cuiabá, governo do prefeito Wilson Santos, tivemos um estranho café da manhã no Cemitério São Gonçalo. A tenda do café foi armada logo depois da entrada, e a mesa exibia bolo de arroz, queijo, sucos, café, leite e… melancia.
Eu já ia direto abocanhar um pedaço de melancia, fruta que adoro, quando o coveiro local informou tê-la retirado de um túmulo mais adiante. “Aquele lá, à esquerda do muro, está vendo?” Parei a meio caminho para mordiscar a apetitosa melancia, relanceando olhar desconfiado ao túmulo que foi sua casa. Temi que o inquilino abaixo não apreciasse tal gula…
Observador, o então prefeito Wilson Santos também pegou um pedaço de melancia e o mordeu com apetite, indagando ao coveiro se havia mais daquela. “Muito doce, excelente! Se tiver mais, pode trazer: vou merendar melancia no gabinete”, disse brincando.
Outros assessores o acompanharam nessa degustação da melancia do cemitério, ainda que, pelos olhares entre si, evidenciassem certo desconforto de ingerir uma fruta procedente de área cadavérica.
Sempre brincalhão, Wilson deve ter percebido a cisma de alguns, pois acrescentou motivador: “Podem comer à vontade, companheiros! Melancia que nem essa aqui é difícil de encontrar em Cuiabá. Para mim, é a melhor que já saboreei!”
Ainda hoje, ao passar nas proximidades do Cemitério São Gonçalo, recordo desse Dia de Finados. Parece que ainda vejo o amigo Wilson Santos elogiando a melancia produzida ali, enquanto cumprimentava um e outro. Vai que, nessa fila, também estava alguém do outro mundo, fato que nós nem percebemos…
*Wilson Santos é deputado estadual por MT; foi reeleito no último pleito.
Por João Carlos de Queiroz, jornalista