Um sobrado em Montes Claros-MG reúne histórias que muita gente ficaria arrepiada. Mas, na opinião de médiuns, espíritas em geral, ali não há nada pavoroso, pelo contrário: apesar de ter sediado acontecimento sangrento há décadas, quando uma mulher foi assassinada brutalmente pelo esposo {que depois se suicidou}, a casa se encontra literalmente “limpa”, e de há muito povoada por anjos purificadores.
A enfermeira Georgina preferiu acreditar nessa tese e foi morar lá com seus dois filhos, um casal. Naturalmente, para não causar trauma nas crianças, omitiu o macabro histórico do imóvel, preferindo enaltecer suas qualidades espaçosas e arejadas aos curiosos rebentos. Ambos queriam ter certeza de agradável recanto para brincar.
Luzia, de cinco anos, e Leonardo, de quase sete, ficaram empolgados ao subir pela sinuosa escada, de acesso à varanda frontal à praça; logradouro de intenso movimento de pessoas e outras crianças. Já pediram a Georgina para brincar naquela pracinha. “Depois, depois…”, respondeu a mãe, extenuada pelo corre-corre da mudança.
Georgina logo deu por resolvida a leve preocupação de que a tragédia sediada no comum sobrado pudesse implicar em algum bloqueio na normalidade rotineira de sua família.
Menos de uma semana depois, a menina informou ter arranjado uma amiguinha para brincar.
“O nome dela é Priscila. Vem aqui todos os dias, e aí brincamos lá na varanda”, disse Luzia. “Priscila só não gosta daquele quartinho fechado, mãe, não sei por quê. Passa sempre correndo na frente dele…”
Georgina sabia que o referido quartinho foi palco do horrendo crime, lugar em que a mulher tentou se esconder do marido, sendo morta ali mesmo, a golpes impiedosos de machado. Fato alardeado durante dias na imprensa local e estado afora.
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Contratada para a locação desse imóvel, a imobiliária primou por atitude correta, procedendo relato preciso dos acontecimentos nas suas dependências. O temor era de ser qualificada como golpista por omitir informações tão importantes.
Assim, meio sem ânimo, o agente pressupôs que mais uma interessada refutaria em assinar o contrato, após saber de tudo. Estava, afinal, em se tratando do citado imóvel, acostumado a desistências. Mas, surpreso, encontrou em Georgina uma mulher decidida, cética em relação à influência dos mortos entre os vivos.
“Quem parte, meu amigo, parte pra sempre. Não vai ficar mais aqui na Terra incomodando os outros”, disse ela. E assinou decidida a papelada.
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Também o menino Leonardo contou à mãe ter arranjado dois amiguinhos para brincar o dia todo, incluindo parte da noite. Esperta, a criança comentou desconfiar de que eram anjos, pois surgiam e desapareciam facilmente. “São do bem, mãe, eu sei!”
Georgina achou graça, dizendo que ele tinha muita imaginação. Se o filho via espíritos e não sentia medo, só podia estar mesmo fantasiando, concluiu.
Uma tarde, ao preparar um lanche para os dois, ela ouviu Luzia gritar desesperada no andar superior, na varanda. A enfermeira subiu as escadas correndo, pensando o pior. Porém, entre assustada e ofegante, a menininha disse ter sido salva pelos dois amigos de Leonardo.
“Quase caí lá embaixo, mãe, quando fui pegar a boneca! “Eles” {apontou para um dos cantos da varanda} me seguraram”.
Leonardo não confirmou ter presenciado tal cena, pois estava no quarto, assistindo televisão.
MAIS alguns meses transcorreram sem qualquer anormalidade, ainda que as crianças dissessem estar brincando sempre com seus amigos invisíveis. Georgina já desconfiava não ser tanta fantasia assim ao reunir alguns detalhes. Um deles, inclusive, a assustou:
“Olhe aí, mãe, a Priscila! Ela está fazendo carinho nos seus cabelos! Agradeça, mãe! Priscila é uma menininha legal!”, disse Luzia, pulando de felicidade.
Georgina sentiu seus cabelos flutuarem várias vezes, como se alguém o segurasse de forma delicada. Pôde ainda sentir duas mãozinhas acariciando sua nunca. Ficou toda arrepiada…
Luzia correu então animada rumo à escada da varanda, chamando sua amiguinha invisível para acompanhá-la.
“Venha, Priscila, vamos brincar lá em cima! Depois mamãe faz lanche pra nós!”
Pela expressão extasiada da filha, cujos olhos acompanhavam alguém se aproximando dela, Georgina teve convicção de que Priscila e os amiguinhos de Leonardo realmente moravam com eles…
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Em outra ocasião, ao observar a filha descendo devagar a mesma escada, ela ficou atônita ao escutar o comentário sério da criança:
“Tudo bem, Priscila, estou vendo o degrau molhado, não vou escorregar nele, fique tranquila! É que choveu muito durante a noite, e a água da varanda termina descendo pela escada. Mamãe tem nos alertado sobre isso. Pode soltar agora a minha mão, amiga, não vou cair!”
NITIDAMENTE, Georgina percebeu que Luzia tinha amparo extra ao descer aquela escada, mantendo uma das mãozinhas firmemente no ar, como se alguém a sustentasse de forma protetora.
Os olhos da enfermeira ficaram marejados de lágrimas de agradecimento: realmente, havia anjos protegendo suas crias!
Também Leonardo teve proteção angelical ao retornar da escolinha e ser acuado por dois meninos brigões, moradores de rua vizinha. Da varanda da casa, onde tricotava “caminho de mesa”, a enfermeira acenou para o motorista da van, a fim de informar que iria descer. O homem respondeu acenando, e partiu em seguida para entregar outras crianças.
Antes que Georgina chegasse ao portão, os pequenos valentões se postaram em frente ao portão, decididos a impedir que Leonardo passasse por eles. Também o empurraram por duas vezes, chamando-o de fracote.
O garotinho quase caiu, gritando pela mãe. Intimando-os a pararem, Georgina assistiu uma cena inexplicável: antes que os provocadores mirins se aproximassem novamente do seu filho, alguma coisa lançou a dupla brutalmente no meio da rua.
“Nunca vi nada igual: os dois meninos ficaram apavorados, nem conseguindo se levantar do asfalto. Olhavam o tempo todo para a frente, possivelmente vendo algo terrível…”, recorda.
O filho Leonardo, sentindo-se 100% protegido, bradou de alegria:
“Dê uma surra neles, meus amigos!”
A enfermeira contou que a corrida medrosa protagonizada pelos valentões de calça curta foi digna de registro cinematográfico.
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A FAMÍLIA residiu por mais dois anos nessa casa, mudando-se para uma própria, financiada pelo antigo Banco Nacional de Habitação Popular (BNH). Ao sair com a mudança, Georgina disse ter agradecido toda a proteção estendida aos seus tesourinhos, enquanto ali residiu.
“Fiz uma oração de agradecimento, pois sei que a legião de anjos vai permanecer por lá…”
Na cabine do caminhão, as crianças Luzia e Leonardo balançaram as mãos, em sinal de despedida chorosa. Luzia disse que Priscila tinha ficado triste por ela partir…
“Sua amiguinha vai ficar bem, filha. Outras crianças vão brincar com ela e os amiguinhos de Leonardo…”
Leonardo nada disse, mas seus olhos úmidos também evidenciaram estar já sentindo falta precoce dos anjos que foram seus companheiros de folguedos no velho sobrado.
Inexplicavelmente, nunca mais esse sobrado foi alugado, estando hoje {se é que ainda existe} praticamente em avançado estado de abandono. Nem inventário foi concluído do citado imóvel.
João Carlos de Queiroz