Belo Horizonte, anos 60 – Intrigava-me ouvir o som repetitivo dos elevadores Schindler subindo e descendo no Edifício Riachuelo, localizado numa das principais ruas centrais da capital mineira. Movimentação que emitia barulho similar a uma turbina potente de aeronave, em fase de esquentamento. Isso quebrava a monotonia silenciosa do sisudo prédio, deixando claro haver vidas se movimentando por ali…
Tratava-se de um par de elevadores já ultrapassados para aquela época, com estrutura interna de madeira, envernizado, em tom marrom escuro. Achava interessante que tivessem duas portas: a gradeada só se movimentava automaticamente quando a principal era fechada…
Os ruídos desses elevadores se intensificavam mais no horário noturno; dava até para escutar o estardalhaço metálico das portas gradeadas se abrindo, ou fechando. Após alguns segundos de silêncio, voltavam a sibilar serviço resignado…
Refestelado no 12o. andar, eu sempre prestava atenção em todo esse zum-zum. Não poucas vezes, as fictícias turbinas dos caixotes móveis alquebraram minha insônia. Só acordava ao escutá-los estacionando no meu andar. Aí, passava a acompanhar mais sons, de espaçamento distanciado…
O endereço de todo esse show profissional era a Rua Rio de Janeiro, paradeiro usual de minhas visitas à madrinha Neusa.
Meu encantamento pelos elevadores teve alguns senões: na primeira vez, ao embarcar no de Serviço (maior), ele parou no quarto andar para embarcar um defunto. Mal a maca entrou, eu saí de fininho, procurando nem esbarrar no lençol esticado. O restante da descida {rápida} foi pelas escadas…
Em outra ocasião, o elevador Social simplesmente se recusou a parar no 12o. andar, partindo direto rumo à casa de máquinas alguns metros acima, momento em que colidiu com algo. Não bastasse isso, soltou faíscas e balançou forte, afundando veloz no abismo concretado em que subia e descia há décadas…
Devo ter gritado, não sei, tamanha a angústia proporcionada por esse vácuo repentino; apavorado, fui obrigado a assistir as portas dos andares desfilarem céleres numa descida frenética, que nem filme passando pela objetiva de projetor.
“Vamos nos estatelar feio lá embaixo”, concluí confuso, mãos agarradas nas grades da porta. Caso contrário, em solavancos ininterruptos, já teria batido a cabeça no teto.
QUANDO tudo parecia perdido, Deus me estendeu Sua mão salvadora: chiados estridentes indicaram o acionamento da frenagem automática.
Os rangidos de aço atritando prosseguiram alguns andares, adentrando pelo paredão {próximo do térreo}. O elevador finalmente parou antes de passar direto e bater no porão; havia uma imensa mola lá…
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Fiz questão, depois, de conhecer a casa de máquinas dos elevadores, escutando extasiado clicks e mais clicks de coisas a todo instante (engrenagens dos motores). Explicava-se assim que pudessem falhar um dia…
Ainda nessa visita, descobri uma portinha aberta, e, legal, uma espécie de prancha de alvenaria. Aquilo foi um convite a um deleite ao que acontecia mais abaixo, à grande movimentação reinante na garganta aberta do prédio.
Acomodei-me lá de forma tranquila, para apreciar tudo, mas não tardou que irrompessem gritos de alerta dos vizinhos:
– Saia daí, menino! Vai cair! Saia agora, criança!
Não fosse chamarem o síndico do prédio, eu continuaria sentado na prancha do poço mais tempo, pezinhos balançando felizes acima do 12o. andar…
Por precaução, temendo surpresas dos clicks misteriosos produzidos na casa de máquinas, optei por usar as escadas do prédio por alguns dias.
Por João Carlos de Queiroz, jornalista