A carrocinha do leite em Montes Claros…

Ainda que seja taxativamente contra qualquer tipo de escravidão imposta a quadrúpedes {ou outro bicho qualquer}, testemunhei, quando criança, em Montes Claros-MG, entre os anos 60 e 70, a carrocinha de leite abastecendo os lares do bairro Edgar Pereira. A charrete da cooperativa local encostava a poucos metros da nossa casa, situada na Rua Cravina, não sem antes anunciar sua chegada por meio de um buzinaço similar à cornetinha utilizada até hoje por vendedores de picolés.

Bastava isso para eclodir um corre-corre geral de donas de casas, todas portando vasilhames plásticos ou metálicos. A pressa se justificava pela fila que se formava sempre à retaguarda da charrete, equipada com um respeitável cilindro metálico, de formato ovalado e retangular. Imaginei quanto de leite não cabia ali dentro…

Já por essa época, no entendimento confuso da inocência criança, sentia pena da exploração imposta aos animais. Pacientemente, o cavalo da charrete de leite permanecia impávido à movimentação de quem queria comprar leite, resfolegando alternadamente. “Tia, o cavalo quer água!”, dizia aflito às vizinhas. Muitas se compadeceram assim do animal, saciando sua sede. Uma vez, até milho ofereceram para o pobrezinho…

O leite saía de uma torneira pequena controlada pelo próprio charreteiro, geralmente com espuma abundante e geladinho, o que achava incrível. Flagrei, também, algumas mulheres lambendo a borda dos vasilhames espumentos ao saírem dali rumo a suas casas. “Vai azedar o leite com essas bocas sujas”, concluía maldoso.

O trabalho da “carrocinha do leite”, conforme ficou conhecida, acontecia no nosso bairro apenas pela manhã, nunca à tarde. E tão rápido como chegava, enchendo os vasilhames da mulherada em fila, o charreteiro partia dali para atender ruas mais acima, ou outros bairros próximos. Da porta de casa, ouvidos atentos, conseguia ouvir os toques longínquos da buzina, imaginando que mais gente corria com vasilhas sacolejantes para não ficar sem leite…

Hoje em dia, sem carrocinha do leite ou outro veículo que distribui esse produto de casa em casa, nós o compramos diretamente em mercados ou supermercados. O leite vem acondicionado em saquinhos ou caixas, as últimas mais temidas pelos consumidores, por causa dos produtos químicos adicionados para sua conservação. Há quem beba leite concluindo que está atendendo as exigências alimentares do corpo, quando, na verdade, está bebendo puro veneno, formol, soda cáustica e por aí…

João Carlos de Queiroz