A Belo Horizonte que eu conheci…

Nos meus anos meninos, que, acredito, é um assunto que já encheu o saco geral, andei bastante pelas ruas de Belo Horizonte, maravilhando-me ao ver belezas distintas, muitas hoje inexistentes à criançada adepta da internet. Posso dizer que foram aventuras extasiantes, mascaradas de passeios.

Logicamente, minha madrinha Neusa nem desconfiava do sapeca traquina que hospedava durante as férias escolares no seu apartamento, endereço que ainda tenho de cor {Rua Rio de Janeiro, 855, apartamento 1.203, Edifício Riachuelo}. Área central de BH, lateral à Rua Tupi, cujo cinema me atraía sempre.

O pobre síndico do prédio, a quem chamava carinhosamente de tio Antônio, costumava me perdoar, apesar da tia recriminá-lo por ser tão complacente com minhas maluquices.

– Não deixe ele fazer isso! Esse menino é endiabrado! – dizia ela, nervosa. Aí, me deixava de castigo no quarto, bastando sair para ser libertado pela avó. Ao chegar e me ver pulando pelo apartamento, recriminava a mãe.

– Não devia tê-lo liberado do castigo! Vai aprontar de novo, pode apostar!

Não estava enganada:

Por três vezes, subi à casa de máquinas dos elevadores, tomando assento numa prancha de cimento que ficava suspensa sobre o túnel vertical do prédio. É aquele buraco central que alguns edifícios antigos têm, ladeado por corredores dos apartamentos.

Dali, gritava cumprimentando a quantos estivessem lavando roupas no lugar, o que causava alarme medonho. Porque, se aquele suporte quebrasse com meu peso, despencaria lá no fundo. Morte…

Foi o zeloso síndico quem me retirou da prancha todas as vezes, e a alternativa foi passar tranca na pequena portinha de acesso ao pavoroso buraco negro do Edifício Riachuelo.

Mas não parei por aí, e acordei todo mundo altas horas da noite, após jogar bolas de gude pelas escadas, barulho medonho…

Já no edifício de Maria de Lourdes, 9o. andar, melhor amiga da madrinha, fiquei dependurado na janela para obrigar Chico, sobrinho dela, a enrolar filmes de 16 mm então utilizados pelas emissoras de TV. Foi muito trabalho consegui-los na antiga TV Itacolomy e TV Globo.

– Se não enrolar novamente, vou soltar minhas mãos – ameacei suicídio. Chico se transformou num rolo rápido de enrola-filmes, enquanto gritava sem parar:

– Não solte, pode subir na janela: estou enrolando!

Agora, o bom mesmo era passear no Parque Municipal, andando horas e horas de canoa, apesar de minhas frágeis mãos ficarem repletas de calos. Permanecia no parque até à hora do almoço, retornando pelo caminho traçado mentalmente. Muitos prédios, ruas parecidas; criança pode se confundir…

Em companhia da tia, eu segurava a ponta do seu vestido para acompanhar seus passinhos rápidos entre a multidão que se acotovelava pelas ruas centrais de BH. Muita alegria ao ingressar na Lojas Americanas, aconchegante pela quantidade de brinquedos expostos.

– Compra aquele pra mim, tia! – apontava pra um carrinho ou trator, olhar choroso. Ela sempre comprava…

Maiorzinho, descobri ser interessante também pesquisar oficinas de projetores de cinema, já amante confesso da Sétima Arte. Não saía da Rua São Paulo e Galeria do Ouvidor, fonte de várias lojas e oficinas.

Nesse perambular do falta-do-que-fazer, namorava as máquinas de cinema, pequenas e grandes, dispostas primorosamente nas prateleiras. Também queria saber o preço de tudo; nem respondiam…

Ainda envolvido por interesse cinematográfico, localizei um outro ponto de atividades do gênero, próximo à estação ferroviária da capital: uma produtora. Quedava-me ver respeitáveis pilhas de filmes enlatados, cada qual com títulos chamativos. Entra um entra-e-sai ininterrupto de caixas e mais caixas naquele lugar, a fim de abastecer os cinemas locais e do interior.