A amiga que não entendeu a amizade…

(Segunda Parte)

*Conheci Telma logo ao desembarcar em Cuiabá, em 1989. Tornou-se minha amiga inseparável. Nunca a discriminei pela profissão de prostituta. Dela, sempre quis apenas a doce amizade ofertada…

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Com o transcorrer das semanas, eu e Telma intensificamos mais os laços de amizade. Comecei a olhá-la quase como uma irmã que nunca tive, e seus sorrisos e palavras me encantavam. Que menina doce!

Agora, qualquer tempinho livre que ela dispunha no prostíbulo, já batia ponto direto no Condomínio Vila Verde à minha procura. Por lá, no ambiente jardinado do condomínio, gastávamos horas de bom papo. Por vezes, também assistíamos filmes no apartamento.

Já aos sábados e domingos, nossa programação era banho de piscina, atividades recreativas no antigo Clube Dom Bosco, no bairro Bandeirantes. Ainda almoçávamos por lá.

Telma quis que conhecesse seus pais, residentes no bairro Dom Aquino, e marcamos ir lá justamente num desses dias. Ao chegar cedo ao condomínio, informei que já estivera na sua casa em sonhos, e ela deu boas gargalhadas. Só ficou séria quando descrevi detalhes do imóvel, cuja retaguarda desembocava num declive acentuado.

Depois dessa primeira visita, realizamos outras. E eu tive também um segundo sonho com a mesma casa, oportunidade em que vi um cachorro enroscado numa corrente, asfixiando-se desesperado. Foi a primeira coisa que Telma disse ao aparecer no condomínio:

– O cachorro de mamãe morreu enforcado na própria corrente. Foi tentar saltar o murinho dos fundos e ficou dependurado.

Aquilo me deixou triste e revoltado, e informei que previra que algo assim poderia acontecer.

– Espero que ela não pegue outro coitado para escravizar… – disse.

Telma me fitou séria, sem dizer nada, e abaixou a cabeça para olhar o chão. Nunca mais fui à sua casa…

Independente das críticas veladas feitas à sua mãe, ela continuou minha amiga. E sempre me convidava para festas no prostíbulo, dizendo que a bebida era por sua conta.

Comecei, então, a ficar preocupado com ela, não admitindo que continuasse a ser prostituta. Telma disse ser seu destino, não concordei, entusiasmando-a sobre sua juventude, inteligência e capacidade de sair daquela vida.

João Carlos de Queiroz