Nos caminhos de Minas…

Por João Carlos de Queiroz – Volto a falar, conforme prometi, do antigo povoado de Pires e Albuquerque, divisor natural dos municípios de Bocaiúva e Montes Claros, Minas Gerais. Há anos que Pires deixou de ser distrito bocaiuvense, mudando inclusive seu nome: agora se chama Alto Belo.

O novo município mineiro, mesmo pequeno, ainda possui retoques sutis do seu passado, moldado em estampa graciosamente supersticiosa. Abrigo genuíno de um povo cheio de manias estranhas e até grosseiras, porém admiradas por quem aprecia “o gosto rústico da roça”.

Lógico que a modernidade do asfalto, hoje reinante em suas ruas estreitas, antes ornamentadas por paralelepípedos, alquebrou grande parte dessa sintonia campestre; mas a imaginação faz o resto: basta ir aos escombros da velha estação ferroviária e namorar os trilhos enferrujados da RFFSA e já se tem noção do ontem delicioso que existiu por ali.

Aliás, se forçarmos um pouquinho a imaginação, dá até para escutar o matraquear da composição se aproximando da plataforma…

Pois é: perdi a conta de quantas vezes eu mesmo pulei no centro dos trilhos, de bitola estreita, para “assuntar” se a locomotiva e a penca de vagões já denotavam proximidade. Bastava colar o ouvido atentamente à malha de aço e sentir o leve tremor rangente. Lá vinha o trem…

– Sai daí, menino! Quer morrer, é? – escutei várias vezes. Ao olhar para os gritadores, via mulheres e homens brandindo os punhos, mãos, ordens para que saísse daquela arapuca mortal em que estava.

Por umas três vezes, dei de cara com a carranca vermelha e amarela da locomotiva da RFFSA em desfile moderado de chegada numa curva próxima; lânguido arrastar obrigatório de muitos vagões-carona…

Já na plataforma, agora incendiada de gente sonolenta, pois o trem sempre passava ao amanhecer, imaginava que poucos desceriam em Pires, enquanto muitos embarcariam com destino a Montes Claros, parada final.

Pires marcou assim por fatos cotidianos tão interessantes no meu ponto de vista criança. E logo, na condição de mais um dos passageiros, aplaudia feliz as últimas casinhas de morro que ficavam para trás, olhos ávidos de satisfação pela viagem iniciada. No fundo, torcia para ela demorar o máximo possível, alternando sorrisos extasiados com olhares curiosos à paisagem em desfile moroso…

Ainda tem pessoas que dizem que viagens de trem estão superadas, agora vivemos em novo tempo melhor. Oxalá elas pudessem retroceder nessa época que vivenciei para reformular seus conceitos. Com certeza, seriam fervorosos torcedores para a retomada do processo ferroviário no País afora, não apenas como elemento transportador da indústria do turismo ou de produtos gerais, mas de transporte normal da população. Exatamente como era antes e ainda é em vários lugares do mundo…