Ainda tem pote de ouro em Pires…
Potes e baús de ouro povoam a imaginação de muita gente até hoje...
Meu primo Nem, Sebastião Pimenta, morador em Pires e Albuquerque-MG (São José do Alto Belo), ainda insiste que as raízes da árvore barriguda, existentes no seu quintal, escondem um baú ouro. Ou pote, se preferirem…
Homem de poucas palavras, Nem sequer prospecta se um dia esse suposto tesouro será desenterrado. “Só consegue quem for autorizado…”, diz pensativo.
– Já faz bom tempo que jaz ali, e acho que vai ficar assim pra sempre – emenda o primo, sem demonstrar o mínimo interesse pelo tesouro.
Segundo sua narrativa, o pote foi confiado a seu pai, o sitiante Ambrósio, que teria de desenterrá-lo sozinho, à meia-noite.
– O problema todo foi que meu tio Domingos, que exercia profissão de mascate, apareceu na roça e quis ir também. O dono do pote não gostou, e eles foram “barrados” ao tentar cavar.
Assustados pelo show fantasmagórico que a barriguda ofertou repentinamente, os tios Ambrósio e Domingos correram feio de volta ao sítio. Melhor deixar pote de ouro pra lá…
– Meu pai disse que viu porcos subindo na árvore, bodes voando e outras coisas estranhíssimas… Também uma ventania forte vergou toda a vegetação na área.
Para dar fim ao sinistro episódio da barriguda, o sitiante Nem achou melhor decapitar “o mal pela raiz”, cortando a árvore. Sobraram as raízes…
…
Vale lembrar que o citado primo, hoje com 80 anos de labuta roceira e visível vigor físico, é antigo caçador de lobisomens nas matas de Pires. Assombração, diz com empáfia, já enfrentou muitas, mas não teme nada que não seja vivo, de verdade…
Nem conta, por exemplo, que um dia passou ao lado de tenebroso cavaleiro. Até escutou o relinchar de cavalo, porém não viu nenhum. O sujeito estava acocorado no alto de uma cancela, a principal de acesso ao seu sítio.
– Aquilo foi visagem, sim: o que fosse, desse mundo não era. Trajava capa preta e chapéu. Pela escuridão, não pude ver seu rosto, somente brilho vermelho nos olhos…
Foi um encontro que ele não deseja que se repita mais, frisou, pois não pensava mais nada que não fosse dormir, após festar em Pires e sair do distrito alta madrugada.
– Agora, quanto a lobisomem, aí é bem complicado: o bicho ataca, mesmo. Meu pai [Ambrósio} enfrentou um ao atravessar o Rio Verde. A água borbulhou forte, fervura enfumaçada, quando aquela coisa se aproximou. Veio com disposição de atacar; tinha sede de sangue…
Só que, esperto, o tio Ambrósio, pai do primo Nem, jamais largava do seu facão ao sair do sítio para ir festar em Pires ou outros lugares próximos.
– Foi sua valência: o lobisomem estatelou na hora ao ver a lâmina do facão. E meu pai, homem valente, gritou alto: “Venha, maldito, estou esperando! Olhe o facão!”
Em segundos, uivando revoltado, o homem-lobo saltou ágil rumo ao barranco do rio, rasgando as matas com seu corpanzil cabeludo.
– Meu pai seguiu seu caminho confiante, facão à frente para evitar ser tocaiado. Lobisomem tem pavor de lâminas!
POTE DE OURO…
Já em relação ao pote de ouro, isso é outra história comprida, salienta o primo Nem, sem nenhuma solução nos dias atuais. Porque, explica, mesmo após a alma de amigo do seu pai tê-lo autorizado a desenterrar o pote na barriguda, o tesouro ainda continua intacto por lá.
– Na verdade, houve descumprimento das instruções fornecidas pela alma do falecido: meu pai teria que ir sozinho à barriguda, à meia-noite, não com tio Domingos.,,
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Depois que seu pai faleceu, o primo Nem resolveu dar um fim a essa história de pote de ouro, e, armado de picareta e enxada, deitou a barriguda abaixo, ateando fogo nas suas vestes mortais. A ideia era exterminar, de vez, a obesa árvore mal-assombrada.
– Nem assim, acredite, tudo acabou: ainda hoje persiste luz reluzindo das raízes da barriguda, após o escurecer. Você mesmo viu, certa vez {de fato}. Isso quer dizer que o pote de ouro continua lá. Quem vai desenterrá-lo, isso eu não sei…
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RESIDINDO atualmente numa casa confortável, sede do seu antigo barraco sitiante, em Pires e Albuquerque, Nem e a esposa Zezé dizem que a modernidade andou espantando também as assombrações locais.
Segundo a prima Zezé, isso deixou de existir:
– Há tempos que não vejo falar de aparição de qualquer coisa esquisita por aqui…
Bem-humorada, ela confessa que tudo está muito diferente em Pires. Mas não deixa de enaltecer o lugar, considerado seu torrão amado.
– Ultimamente, Pires anda é quieta demais, sem novidades. O pessoal amigo, morador das redondezas, vez ou outra aparece aqui pra tomar um café… Prosas de lobisomens, mesmo, só prosas… Viraram “causos”. Só não garanto que ainda estejam escondidos aí pelas matas, vá saber…
Com ou sem lobisomens e assombrações, os primos enfatizam acreditar na existência do pote de ouro nos restolhos da barriguda:
– É um tesouro encantado, e, sendo assim, nem adianta cavar sem autorização do seu dono. É procurar chifre na cabeça de cavalo – alertam.
Os primos Nem e Zezé, irônicos, até cogitam a possibilidade de que Ambrósio e Domingos, após serem convocados por Deus, possam ter dado de caras com a alma do sitiante, dono do pote de ouro.
– De repente, ele pode ter dito pro meu pai: “Autorizei você, Ambrósio, não o mascate Domingos, a retirar o pote. Mas, teimoso, você o levou…”.
O resultado, finaliza bem-humorado o primo Nem, foi que nenhum deles conseguiu arrancar uma moedinha sequer da barriguda.
– Se você quiser tentar, à vontade… – desafia.
Por João Carlos de Queiroz, jornalista
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