Ainda sobre a ginga dançarina da boneca de Leonel…
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Apesar dos anos transcorridos, quando minha infância sublinhava incursões aventureiras Montes Claros afora, marcou a cadência assustadora do tambor abre-alas da boneca de Leonel.
Não sei exatamente como, essa gigantesca boneca angariava simpatia e, ao mesmo tempo, pavorosa estranheza em muitos, principalmente nas crianças.
Tanto que bastava ouvir aquele inconfundível TUM-TUM-TUM do tambor, anunciando a proximidade animada da boneca, para as ruas se transformarem em palco de curiosos.
Já as crianças, igualmente cientes de que a boneca estava pertinho dali, debandavam sem cerimônia, passando a observar tudo de longe…
E, de fato, não tardava mais do que minutos para ela aparecer saracoteando seu corpão desproporcional em passos supostamente de dança. Ouvia-se turbilhão de gritos infantis a cada gingada da boneca em direção aos pequenos.
Também curioso, eu queria mesmo saber era quem comandava aquele monstrengo de olhar de peixe, incrivelmente animado em girar o corpo enquanto descia pela rua…
Via-se claramente que havia alguém ali dentro, e as pernas finas, em contraste com o corpanzil superior da boneca, confirmavam isso.
Na fase adolescente, fui entender que, na verdade, foram muitos os seus condutores, homens capazes de suportar o grande peso daquela estrutura insossa, composta de ferro e panos; permanecer ali dentro por horas seguidas devia ser sufocante…
Também concluí que o medo da boneca se devia a um fator de conhecimento geral: ela pertencia ao agente funerário Leonel Beirão de Jesus. Ou seja: saía direto do antro de caixões para descer zanzando por tudo quanto é lugar da cidade.
Fui informado que o ‘descanso’ da horrenda boneca residia num dos cantos do salão de velório da funerária. Havia ali uma legião de urnas ao redor, além de coroas de flores.
Por assim dizer, a boneca de Leonel sempre estava ungida de morte, pois foi gerada num recinto onde as pessoas aportam sem vida. E é lá que ela devia se sentir feliz, acreditava…
A boneca ainda trabalhava, outra informação. Foi garota-propaganda das Casas Pernambucanas e outros estabelecimentos de Montes Claros durante anos.
Os comerciantes mais humildes diziam que não a contratavam por um motivo óbvio: ela não só atraía, mas também espantava clientes.
“Minha mulher fica apavorada quando a vê. E, se estiver postada aqui na frente da loja, aí é que ela nem passa perto”, informou um deles.
Já nos desfiles cívicos e outras solenidades culturais, ela fazia questão de aparecer toda fofa, extrapolando as rodopiadas e outros meneios do corpão graúdo.
O interessante é que, ao gingar o corpo de forma mais rápida, o saião da boneca levantava por uns segundos, expondo pernas masculinas no lugar das vestes íntimas…
Não raras vezes, imaginei que o dançarino que carregava a boneca para cima e para baixo devia ser até meio fruta. Não entendia como alguém aceitava rebolar dentro de corpo feminino.
Errei feio ao pensar assim: vários homens, pais de família, cumpriram esse papel cultural, além do saudoso Leonel Beirão de Jesus.
Hoje, em 2025, entendo mais claramente o grande papel folclórico que a boneca de Leonel representou e representa em termos de acréscimo à história cultural da cidade. Fui informado que ela já se encontra aposentada há décadas, talvez cansada de tanto dançar…
Gostaria, aliás, de saber o que foi feito do tambor que orientava seus passos dançantes. Será que também mereceu espaço simbólico na aposentadoria?
E, por fim, seria excelente que fosse instituído um painel com a foto e biografia de todos que foram os “comandantes” da boneca de Leonel.
Já o arrepiante TUM-TUM-TUM do tambor permanece imortal na lembrança de todos…
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