A nulidade de exames psicológicos em concursos públicos; análise da jurisprudência e critérios objetivos
Esse entendimento é respaldado por jurisprudências consolidadas tanto no Supremo Tribunal Federal, quanto no Superior Tribunal de Justiça
A realização de concursos públicos no Brasil é um processo meticuloso, repleto de etapas que garantem a seleção dos candidatos mais preparados para os cargos oferecidos pela Administração Pública. Dentre essas fases, algumas vezes é exigido o exame psicológico, ou psicotécnico, para verificar se o candidato tem condições mentais e emocionais para exercer determinadas funções. No entanto, a validade desses exames tem sido alvo de intensos debates judiciais, principalmente quando há falta de critérios objetivos ou previsões legais claras.
Este artigo tem como objetivo explorar a questão da nulidade de exames psicológicos em concursos públicos, destacando a jurisprudência vigente e a importância de que tais avaliações sejam realizadas com base em critérios objetivos e bem fundamentados.
A EXIGÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL E EDITALÍCIA
A legalidade de qualquer exigência em concursos públicos, incluindo a realização de exames psicotécnicos, deve ser pautada no princípio da legalidade administrativa. Isso significa que só podem ser exigidos requisitos expressamente previstos em lei e no edital do certame. A ausência de uma previsão legal torna a exigência de exames psicológicos inválida.
Esse entendimento é respaldado por jurisprudências consolidadas tanto no Supremo Tribunal Federal, quanto no Superior Tribunal de Justiça.
O STF, no julgamento do Recurso Extraordinário 1.133.146/DF, enfatizou que a realização de exames psicotécnicos em concursos públicos só é válida quando prevista em lei e regulamentada de forma objetiva no edital.
O edital, portanto, deve descrever detalhadamente como será realizada a avaliação psicológica e quais critérios serão utilizados para determinar a aptidão ou inaptidão do candidato.
CRITÉRIOS OBJETIVOS E A SÚMULA 20 DO TJDFT
Outro ponto crucial para a validade dos exames psicotécnicos é a adoção de critérios objetivos. Avaliações que deixam margem para interpretações subjetivas correm o risco de serem anuladas judicialmente. A jurisprudência é clara ao defender que, para evitar decisões arbitrárias, os exames devem seguir parâmetros objetivos, mensuráveis e transparentes.
A Súmula 20 do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) resume bem essa questão ao estabelecer que o exame psicotécnico somente terá validade se houver a previsão legal, a exigência de critérios objetivos e a possibilidade de recurso administrativo. Em outras palavras, é necessário que o candidato saiba previamente quais serão os métodos e as técnicas aplicadas, bem como as formas de mensuração dos resultados.
ANULAÇÕES DE EXAMES PSICOLÓGICOS: CASOS CONCRETOS
Diversos casos judiciais têm levado à anulação de exames psicológicos por falhas na aplicação dos critérios objetivos ou pela ausência de previsão legal no edital. O caso decidido pelo STF no Agravo de Instrumento 758.533 QO-RG, por exemplo, reafirma a nulidade de exames psicotécnicos quando não forem observados os critérios legais, e determina que o candidato tem o direito de ser submetido a uma nova avaliação, desta vez com critérios devidamente estabelecidos.
No Acórdão 1335921, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal reconheceu a nulidade de um exame psicológico realizado sem a devida previsão de critérios objetivos no edital do concurso. O Tribunal decidiu que a reprovação de um candidato por suposta “inaptidão” sem explicações adequadas e sem a possibilidade de recurso configurava uma violação dos direitos do candidato.
Além disso, a anulação de exames psicológicos também ocorre em situações onde o laudo final do exame é meramente conclusivo, sem qualquer justificativa concreta. Quando o relatório psicológico apenas informa “candidato inapto” sem indicar as razões específicas da decisão, há uma presunção de subjetividade, o que pode levar o Judiciário a declarar a nulidade do ato administrativo.
IMPACTOS E CONSEQUÊNCIAS PARA OS CONCURSOS PÚBLICOS
A anulação de exames psicológicos gera uma série de consequências para os concursos públicos. Em primeiro lugar, os candidatos prejudicados têm o direito de serem submetidos a novas avaliações, conforme decidido em diversos casos pelo STF.
Além disso, a Administração Pública precisa rever seus procedimentos para garantir que os próximos certames atendam às exigências de transparência e objetividade, de modo a evitar prejuízos aos candidatos e a possíveis questionamentos judiciais.
De acordo com a jurisprudência vigente, a nulidade de um exame psicotécnico não implica necessariamente a eliminação do candidato do concurso, caso ele tenha sido aprovado em outras fases. O candidato tem o direito de prosseguir nas demais etapas do certame até que uma nova avaliação psicológica, realizada dentro dos parâmetros legais, seja realizada.
CONCLUSÃO: A NECESSIDADE DE CRITÉRIOS CLAROS E FUNDAMENTADOS
A jurisprudência sobre a nulidade de exames psicológicos em concursos públicos reforça a necessidade de que esses exames sejam realizados com base em critérios objetivos, previamente definidos e divulgados no edital. A ausência de clareza e a adoção de métodos subjetivos nas avaliações violam o princípio da legalidade e o direito dos candidatos à ampla defesa e ao contraditório.
A exigência de exames psicológicos pode ser um importante instrumento de seleção, especialmente para cargos que demandam grande equilíbrio emocional. No entanto, sua aplicação deve ser cuidadosa e transparente, para evitar injustiças e garantir que o processo seletivo atenda aos princípios constitucionais da impessoalidade, isonomia e legalidade.
Candidatos que se sentirem prejudicados por avaliações psicológicas inadequadas têm o direito de buscar o Poder Judiciário para garantir sua participação nas demais etapas do concurso, desde que comprovada a ausência de critérios objetivos na avaliação. Portanto, é imprescindível que tanto as bancas examinadoras quanto os candidatos estejam atentos a essas exigências legais e jurisprudenciais.
*Este artigo foi desenvolvido pelo advogado Wagner Luiz Ribeiro, com escritório em Cuiabá-MT
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