A fantástica escola de bruxos do Colégio São José

{PRIMEIRA PARTE} Observação: o texto abaixo é uma homenagem aos meus tempos de aluno peralta do Colégio Marista São José, em Montes Claros-MG. Ali vivenciei deliciosos anos.

Estranhei  bastante quando minha mãe me matriculou no Colégio Marista São José, localizado no bairro Roxo Verde, em Montes Claros-MG. O prédio da escola domina todo um quarteirão, assemelhando-se ao da fictícia Escola de Bruxos da saga Harry Potter: é composto de alas esportivas e salões nos pavimentos inferior e superior. Isso, pra mim, sempre foi um grande mistério…

O mais esquisito foi ver uma legião de seminaristas circulando em trajes pretos, idênticos a batinas sacerdotais. Ao andarem rápidos, essas “saias” {conforme definia} flutuavam facilmente, dando a impressão de que decolariam a qualquer momento. Os reluzentes sapatos surgiam à frente a cada passada, imprimindo maior convicção de bruxaria.

Minha mãe lecionava História no São José, e assim foi mais fácil conseguir uma vaga. Naquela época, início dos anos 70, estudar nesse polo marista significava compor a elite educacional do município. Eu tinha muito orgulho do meu uniforme, calça verde {pinicava muito} e camisa branca. Sabia estar num bom colégio.

Foram muitas as recomendações maternas para que não aprontasse. Mas não deu outra: volta e meia o irmão Ladislau, diretor, chamava a professora Maria Eny para uma conversa de ‘pé de orelha’, relatando que eu havia feito isso e aquilo. Ladislau passou a me monitorar, mas eu o respeitava; um bom diretor.

Foi no Colégio São José que vi o primeiro coração humano fora do corpo, na Sala de Anatomia da Faculdade de Medicina, núcleo acadêmico incorporado ao prédio do educandário. Muitos cadáveres boiavam nos tanques de formol, aparentando cor cinzenta. Esquisito demais…

Ainda sinto repugnância ao recordar o professor de Medicina abrindo um coração com as próprias mãos, como alguém que “esquarteja” uma pinha. E ele disse enfático: “Eis aqui o “motorzinho” que conduz todos nós, humanos, vida afora. Sintam suas batidas cadenciadas; e chequem agora se seu coraçãozinho está funcionando…”

Muitos colegas levaram as mãos ao peito. Evidente a preocupação de ocorrer alguma “pane”.

Desde essa desagradável visita ao necrotério da Faculdade de Medicina, passei a olhar para o andar superior do São José com cisma convicta. Por vezes, tentando vencer o medo, ia quase perto da entrada da Sala de Anatomia, que ostentava porta diferenciada das demais. A partir dali, tinha início típico cenário de horror, com sequência perfilada de cadáveres em tumbas concretadas de formol.

Geralmente, ao imaginar que algum corpo sem feição pudesse passar pela porta rumo ao corredor, mãos abertas para me agarrar, eu saía em desabalada correria, escadas abaixo. O receio de ser perseguido pelos “mortos-vivos” da Sala de Anatomia se sobrepunha à prudência.

Não poucas vezes, esbarrei em seminaristas nesse percurso. “Menino louco!”, resmungavam. Impressionante a coragem deles em residir a metros de defuntos monstrengos. Ainda imaginei a possibilidade de algum corpo ressuscitado bater à porta dos internos, alta madrugada…

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FORMAMOS, assim, sem aderir à vestimenta oficial de adeptos de feitiçarias, um pequeno grupo de bruxinhos no Colégio São José: cada aula tinha prévia agenda de malandragens para afrontar os professores carrancudos.

Na então idiotice nossa, de alunos do contra, pensávamos os mestres de ensino fossem nossos inimigos, motivando batalha permanente no dia a dia escolar. O boletim mensal acusava o descontentamento dos professores.

O professor Aiala era um dos nossos alvos prediletos de aprontações, visto que sempre portava fisionomia de azedume puro. Mas, detalhe, era um excelente professor. Só desejava nos ensinar o básico, esforçando-se muito. Tente explicar isso para os malandros…

Como castigo por indisciplina, fiquei uma vez de braços abertos diante do quadro negro por cerca de 40 minutos – coisa normal naqueles tempos. Meu receio foi ser flagrado por minha mãe naquela situação humilhante: é que ela ministrava aulas no corredor anexo.

Inflexível, o professor Aiala percebeu minha aflição, mas não me poupou desse castigo, sugerindo chamar minha mãe. Cumpri tal castigo com os olhos estatelados na porta da sala, temendo súbita visita materna…

Depois conto mais…

João Carlos de Queiroz

 

 

 

 

 

 

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