À espera de “um trem” que deixou muitas saudades em Minas…
Já não se ouve mais o tremor sacolejante nos trilhos à aproximação ritmada do Trem Azul, seja no sentido Belo Horizonte/Montes Claros, ou vice-versa. Atualmente, nos trilhos enferrujados da antiga localidade distrital Pires e Albuquerque, ponto de parada da composição, reina dormência de sono na tradicional "estrada de ferro"
Mineiro é um povo pra lá de arretado numa boa conversa roceira e, também, no dedilhar emocionante de moda de viola. Que o diga o gigante musical e trovador Téo Azevedo, celebridade cultural respeitadíssima nas terras de Tancredo Neves.
Citei o nome de Téo Azevedo justamente porque ele se integra ao grupo saudoso da marcha ferroviária interrompida há décadas entre Montes Claros/BH; viagens concorridas, que os mineiros tanto prezavam…
O artista poético é um dos milhares que {também} suspiram infeliz pela interrupção dos serviços prestados no trecho pelo charmoso Trem Azul R.F.F.S.A., cujo buzinaço ainda hoje ecoa forte no imaginário local. Era um vai e vem de aventuras e troca de conhecimentos por parte dos que chegavam ou embarcavam. A velha estação fervilhava de pessoas nesses horários…
Outro que suspira inconsolável tristeza pelo fim da linha é o servidor da área de Saúde, Feliciano Souza, detentor de deliciosa prosa sobre a bucólica cidadezinha onde nasceu (Pires e Albuquerque).
Para Feliciano, que mantém residência em Bocaiúva-MG (cidade próxima), por conta do serviço público, realização pessoal significa você estar onde se sente bem, em lugares em que seus filhos irradiam franca sintonia com a natureza.
– Nada é mais emocionante do que isso: escutar as inocentes risadas dos nossos tesouros familiares. E ter consciência de que irradiam espontaneidade à majestosa rotina de vida que proporcionamos”.
Feliciano prefere chamar o seu torrão natal ainda de Pires, salientando ser arraigado à trajetória das tradições de outrora. “Pires e Albuquerque me acolheu, desde então. É a terra onde abri os olhos para o mundo, descortinando avidez por abraçá-la; sempre muito agradecido”.
Ele explicou que Alto Belo trouxe mudanças gerais no distrito, não apenas no nome. “Enfim, restou pouca coisa da originalidade do povoado de Pires; lugar de indelével retiro da alma e do corpo, e que sempre nos proporciona momentos maravilhosos. Nunca desmembramos um do outro: são gêmeos siameses, tal qual o Trem Azul e Trem Marrom”.
O funcionário público bocaiuvense é, portanto, um dos embriões culturais que sustentam essa estrutura tradicional de Pires e Albuquerque, inclusive na antiga denominação.
– Temos que persistir, a fim de que as lembranças permaneçam tal como realmente aconteceram, lá atrás. Isso inclui superstições e talentos natos, com destaque para o colossal artista Téo Azevedo. Fala-se também em Pires, até hoje, sobre aparições de lobisomens, vaca encantada e outras coisas sinistras. Será que realmente existiram ou tudo é fruto da crendice popular?
Sobre as saudades do Trem Azul: o mineiro implementa pausa emocionada antes de discorrer mais sobre o tema. É notória a sensação de termos invadido um dos pontos reclusos do seu aconchego saudosista.
– O que poderia dizer mais sobre a partida perpétua desse trem? Sentimo-nos literalmente perdidos, desalentados, essa é a verdade. Mesmo porque o próprio povoado nasceu após a construção do terminal ferroviário, obra levada a efeito pelo engenheiro Pires e Albuquerque. O sonho de todos nós é de que o Trem Azul volte a marchar novamente por aqui. Infelizmente, trata-se de utopia de difícil concretização…
Por João Carlos de Queiroz, editor-geral
Fotos: Arquivo Pessoal/Manoel Freitas Reis
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