Não dá para esquecer a delícia de um guaraná ‘quente’…

Nosso grupinho adolescente furtou quantidade imensa de garrafas de guaraná durante semanas. Até o dia em que fomos flagrados...

Em meados dos anos 70, então morador do bairro Edgar Pereira, em Montes Claros-MG, descobrimos uma fonte diária para abastecer nossos corpos adolescentes com guaraná Antártica: um pequeno caminhão sempre estacionava nas redondezas.

Durante semanas, lá pelo meio-dia, horário de almoço do motorista, íamos furtar garrafas e mais garrafas desse delicioso refrigerante, abertas afoitamente nas cercas de arame farpado que margeavam o Rio Vieira.

Ainda hoje penso se elas realmente matavam a sede ou se geravam mais sede…

Digo isso porque o único problema desse inocente furto residia mesmo na temperatura do guaraná, sempre alta, em face da exposição de horas sob sol tórrido. Tanto que, no ato do ‘voo’ das tampas nas farpas do arame, primeiro era preciso aguardar que saísse toda aquela espuma farta, para finalmente bebericarmos o líquido.

Nem sei quantas vezes furtamos guaraná à vontade, até levando algumas garrafas e mais garrafas para casa, a fim de degustar essa popular bebida bem geladinha.

Também nos divertíamos ao imaginar o ar intrigante do motorista para tentar descobrir o sumiço diário de parte da carga. Será que pagava pelo prejuízo?

Na realidade, se pagava ou não, continuamos a furtar guaraná todo santo dia, batendo ponto cativo ao lado do caminhãozinho.

Lógico que, por precaução, antes de forçarmos a lona da carga para “puxar” garrafas seguidas, cabia direcionar olhadelas precavidas ao redor, pois o velho gorducho, condutor do caminhãozinho, poderia estar de espreita….

Enfim, era uma alegria aquele ir e vir em viagens de furto sequencial, estampando os braços abarrotados de guaraná. Vitória!

Esses furtos só não aconteciam nos finais de semana, certamente os dias em que o senhorzinho descansava. Merecidamente, convenhamos. Convinha, porém, uma sugestão: ele devia contratar um auxiliar, garantindo o guaraná ininterrupto ao nosso grupinho sacana. 

Como tudo na vida um dia acaba, terminamos sendo flagrados com a boca na botija. Ou melhor: furtando guaraná. Nem sei de onde o velhote saiu de repente, acho que da mata, brandindo fúria nos gestos e na voz rouca.

– “Seus larápios mirins de uma figa! Vocês me pagam!

Espertos, eu e Floriano desandamos ágeis para a região do Rio Vieira, contabilizando boa dianteira do nosso perseguidor. Idoso, ele jamais nos alcançaria…

Já do lado oposto da cerca, percebemos que faltava um dos membros do grupo gatuno, o boa-praça Afonso. Mas lá estava ele, vimos claramente, esperneando nas mãos do irado motorista.

Aquela foi uma cena que jamais esquecerei: Afonso patinando no ar, tentando se livrar; fazia isso silenciosamente…

Isso aconteceu porque o velhote o alçou rispidamente pelo cinto, transformando sua mão direita num gancho forte.

Com Afonso sempre esperneando, o motorista empreendeu passos trôpegos rumo a Vila Brasília, bairro interligado ao Edgar Pereira.

Corremos preocupados atrás deles, tentando ver se não faria nenhuma maldade com Afonso; mesmo porque nosso amigo morava lá. 

Felizmente, nós encontramos Afonso mais ou menos bem em casa, tentando sorrir confiante. No seu olhar desconfiado, relances do susto que levou minutos atrás, seguindo-se um puxão verbal de orelhas dos patriarcas, que não admitiam tais malandragens.

Nem ousamos perguntar pelo paradeiro do velho sovina. Custava nos abastecer de guaraná?

Doravante, nunca mais ousamos também nos aproximar do caminhãozinho de guaraná, temendo que seu nervoso motorista saltasse rápido do barranco em nossa direção.

EM TEMPO:

Não sei se, para nos provocar, o velhote até dispensou a lona que antes cobria as cargas de refrigerante. Com certeza, devia sempre montar campana por ali, ávido por levantar mais algum gatuno de guaraná pelo cinto…

Por João Carlos de Queiroz

 

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