Após diarista ressuscitar, minha mãe ficou apavorada e a despediu…

Vítima de ataque cataplético, Helena, diarista que trabalhou conosco, causou trauma ao repetir estranhezas de conduta igualmente próximas da morte. 

MONTES CLAROS-MG, anos 70 – Ao relatar anteriormente [não foi conto] que minha mãe demitiu a diarista Helena,  após a trabalhadora sofrer ataque cataplético, muita gente deve ter pensado: “Que ato insensível! Atitude francamente desumana!”

Olhando por esse prisma, até dou razão. Afinal, mal Helena recebeu alta no Hospital Santa Terezinha, onde ficou internada por dois dias, já ‘caiu’ no desemprego. O correto, penso eu, seria receber uma acolhida aconchegante em casa, quando nos relataria tudo. Infelizmente, isso não aconteceu…

Na realidade, eu em cheguei a encontrá-la ao voltar da escola no dia anunciado da alta. Também desejava saber sobre sua experiência de quase morte. Adolescentes de 15 anos têm curiosidade mórbida…

– Helena foi embora hoje, João. Mandou beijos pra você! – informação lacônica.

– Ué, mãe: ela não quis trabalhar mais aqui? Por quê? Sabe onde foi morar? – indaguei.

– Não sei. E é melhor que tenha ido embora de vez. Vou contratar outra amanhã. – Agora, vá tomar banho pra jantar!

Pelo tom seco de suas palavras, tive convicção de que foi demissão. Helena gostava de nossa família.

Bateu vazio súbito em mim. Sem Helena, aquela casa ficaria bem triste. Ela se tornou minha confidente e conselheira.

– Não faz isso, João! Sua mãe vai castigar você! – disse certa vez, ao ver que descobrira a chave da GT-50 Yamaha dentro da caixa de pó de arroz. Meninos descobrem tudo…

Não era a Mini Enduro laranja, que comprei em 74 na loja de eletrodomésticos Valdeir Móveis, mas uma de cor amarela, integrante do último lote da falida concessionária MOTORAMA.  Loja pioneira de revenda de motocicletas montada em MOC pelo mano mais velho. O pretenso comprador não pagou e ela ficou guardada lá em casa.

Outros bons conselhos foram dados pela amiga Helena, recordo bem:

– Você precisa ter cuidado ao furtar gasolina do caminhão do seu pai. Dias atrás, ele perguntou se não viu você mexendo no tanque. E sua mãe anda também desconfiada de que tem andado escondido na motinha enquanto ela leciona…

Helena foi sempre legal comigo.

Assim, fiquei triste ao saber de sua demissão, pois gostava dela. Interagíamos quase como irmãos. Ela sorria feliz ao ouvir meus casos, geralmente aventuras.

Tempos depois, voltando ao assunto da demissão de Helena, minha mãe me explicou sua apreensão de que mais coisas estranhas pudessem acontecer, conforme profetizara o sapateiro.

Na ocasião, o médium disse que eu mesmo poderia ser vítima fatal do próximo sucedido, acaso Helena continuasse morando conosco.

– Ela [Helena] é muito apegada a você. E por ser inocente, é quem vai receber a carga ruim… – palavras de alerta.

Ficou uma espécie de vácuo incompreensivo, posto que Helena partiu sem me dizer nada, sem que pudesse abraçá-la e não perder contato. Talvez tivesse se mudado de cidade.

Imaginei, a certo instante, que também poderia ter morrido, e minha mãe quisesse esconder. Meu mano mais velho confirmou tê-la visto arrumando a mala. Mais reconfortante isso.

Desde esse dia, nunca mais vi ou ouvi falar do seu paradeiro. Cresci imaginando por qual lugar ela andaria, ou se estava viva, feliz.

Cheguei ainda a sonhar com Helena algumas vezes, deleitando-me com seu sorriso afetuoso. Nunca esqueci seu jeito sereno de me olhar e aconselhar.

NA CHÁCARA DA VILA IPÊ

É preciso frisar que essa não foi a primeira vez que Helena protagonizou situação estranhíssima. No endereço anterior, chácara da Vila Ipê, onde começou a trabalhar conosco, ela sofreu ataque de cobra jaracuçu do papo amarelo ao varrer o quintal. Veio apavorada exibir três furos sangrentos na perna esquerda.

– A cobra ainda está lá, debaixo dos gravetos do pé de cajá!, informou trêmula. – Corra, vá matá-la! Cuidado, pois é traiçoeira!

Fui averiguar e encontrei a imensa serpente, que tentou me atacar ferozmente, empreendendo sucessivos botes. Não tive outra alternativa senão abatê-la. Explico o porquê…

Havia um extenso gramado ao redor da casa da chácara, e assim corríamos riscos da ocorrência de mais ataques, se deixasse o réptil fugir. Óbvio que ela não pararia seus ataques: cobras não são boazinhas. Seríamos presas fáceis…

Resta acrescentar que, na fase adulta, utilizando gancho, já consegui aprisionar e libertar répteis distintos, sem exterminá-los, devolvendo-os ao seu habitat natural.

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Dessa feita, Helena foi atendida no Hospital Municipal da Vila Ipê, onde recebeu soro antiofídico. O médico disse que ela teve sorte de uma das presas da peçonhenta não ter se cravado na sua perna, pois assim a pressão de inoculação do veneno seria forte, podendo ser fatal.

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IMPRESSIONADA, minha mãe lembrou que Helena avistara cobra rondando a cozinha da chácara no dia em que foi acertar a contratação. Detalhe: morávamos lá há meses, e nunca havíamos visto nenhum réptil.

– Essa mulher atrai cobras! – comentou preocupada quando Helena saiu feliz da vida por ter obtido o emprego.

Ignoro, sinceramente, se Helena ainda vive. Minha mãe, enquanto viva, dizia que ela sumira do mapa, e certamente devia estar morta. Será mesmo?!

Por João Carlos de Queiroz, jornalista

OBS: Creio que este segundo relato responde a questões pendentes do primeiro, apesar de a incógnita [referente ao paradeiro da diarista Helena] ainda permanecer. Por qual motivo sonho tanto com ela?

 

 

 

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