Ainda ontem curti amor perdido no telhado…

Dizem que experiências adolescentes costumam ser traumáticas. Principalmente, acrescentam, se envolvem algum fato amoroso. Nessa idade, temos percepção hipersensível para nuances sentimentais. Em épocas à frente, quando mais maduros, baques do coração tendem a passar quase desapercebidos; não fosse, lógico, o visível chororó apaixonado…

Em resumo, nos anos tenros da vida, sempre sofremos muito por amor, literalmente despedaçados por dentro. Senti-me assim ao ver minha Julieta se casando na Igreja Matriz, numa tarde gelada de sexta-feira Permaneci sentado na mureta do antigo sobrado da Reitoria da Fundação Norte Mineira de Ensino Superior, onde trabalhava.

A Julieta em questão, que vou declinar o nome, foi minha primeira namorada oficial. O amor nasceu de trocas dissimuladas de olhares, em encontros casuais pela vizinhança.

Observei-a também, muitas vezes, fazendo tarefas escolares numa pequena mesinha de sua casa. Para tanto, eu subia no pé de manga da casa de amigos, cujo muro era divisória das residências. Tímida, fingia não me ver nem escutar os psiu! repetitivos, toda compenetrada nos estudos…

Depois, concidentemente, ela se tornou minha colega de escola e de classe. O encontro de olhares se intensificou a partir daí, e tive esperanças de que algo maravilhoso estava prestes a acontecer…

O horário do recreio passou a ser o mais aguardado momento da jornada escolar. Ansiava por escutar o toque da campainha do Colégio São José apenas para poder trocar algumas palavras com ela. Ali, de forma naturalmente, nosso namoro teve início, tornando-me o mais feliz dos Romeus de Minas Gerais…

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Já motoqueiro popular em MOC, adepto do empina moto, frequentador assíduo da Praça Doutor Chaves, Matriz, com grupo de amigos pontualmente em reunião todas as tardes e noites, passei a ser alvo de críticas ferrenhas por parte da família da amada musa.

Por lá, na Matriz, também marcava ponto grupo de usuários de maconha, alguns chegados nossos. Isso foi a gota d’água para ser tachado igualmente de maconheiro, pessoa inapropriada para namorar uma menina de família. Os manos mais velhos da garota baixaram tenaz decreto proibitivo nesse sentido…

Primeiro, para disfarçarem tal veto, minha pretensa Julieta foi obrigada a ir morar do outro lado da cidade, na casa de um deles. Estratégia hipocritamente diplomática para dificultar os nossos encontros. Eu cheguei a visitá-la no novo endereço, mas senti franca hostilidade na acolhida nada hospitaleira, apesar de que nada disseram francamente.

Tivemos depois uma conversa franca, e ela disse suspeitar do motivo da proibição. O mais velho, ao ser questionado, foi educadamente enfático ao sublinhar que não daríamos certo por uma série de motivos. Só não falou que ganhara fama de maconheiro, malandro…

Depois de tentar me conversar via conversa melosa, papo “pra boi dormir”,  ainda apregoou fantasias que soaram como hipocrisia deslavada, a exemplo de “Quem sabe um dia vocês se reencontram…” Aprendi, desde esse dia, que o cinismo das pessoas pode ser surpreendente...

Depois, espertamente eles a apresentaram a um outro cara, que, por ser de família mais guarnecida de posses, teve imediata aprovação geral, substituindo-me na condição de namorado.

A essas alturas, tornei-me mero espectador do que poderia ter sido minha vida ao lado dela, chegando mesmo a  “assistir” seu casamento à distância, conforme citei no início desse relato; lembranças fragmentadas de saudosismo revoltoso.

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DEPOIS DO CASAMENTO, fui direto pra casa, e subi no telhado para analisar melhor tudo aquilo. Que sacanagem! Perdi o amor da minha vida por não ter dinheiro e por ter sido tachado de maconheiro! Isso, sem nunca ter provado maconha ou outra droga qualquer…

Lentamente, o sol se pôs no horizonte turvo, e as primeiras luzes da cidade começaram a tremular vida faiscante. Também a temperatura caiu um pouco, mas meus arrepios não atingiram o corpo, mas, sim, o recôndito da alma, o coração, Tristeza geral estar ali diante da reviravolta do que eu mais temia acontecer: eu perdera meu amor para sempre!

Pelo menos, hoje rebuscando estilhaços dessa memória entremeada de romantismo e desencantos, tenho convicção de que vivemos a pureza plena do amor adolescente! Foi bom enquanto durou, sem dúvida.

O ruim é que esse sonho poético durou pouco, pois imaginava que fosse eterno! Nunca imaginei ser vítima de algozes familiares, torpedeado por cobras altamente peçonhentas!

E pensar que sorriram tantas vezes de forma acolhedora…

Por João Carlos de Queiroz

 

 

 

 

 

 

 

 

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