O último trem…
Ao ouvir comentários melancólicos dos jovens atuais, atestando que gostariam de ter vivenciado a efervescência ferroviária no Norte de Minas Gerais, época áurea do Trem Azul, penso comigo que fomos privilegiados.
Hoje, pela quantidade de aventuras proporcionadas em tantas viagens sobre trilhos, principalmente entre Montes Claros e Belo Horizonte, e vice-versa, posso assegurar que aquilo tudo foi muito delicioso. E continua inesquecível, em face das lembranças frequentemente assinaladas nas redes sociais.
Mesmo garotinho, sem muito entendimento das coisas, sob puxão de orelhas de tias e tios, embarquei feliz no Trem Azul para degustar dias maravilhosos em BH, em companhia da saudosa madrinha Maria Neusa. Ela residia na Rua Rio de Janeiro, 855, Edifício Riachuelo, apartamento 1.203.
Nas primeiras vezes em que lá estive, meu atrevimento de pesquisa-prédio se limitava apenas ao 12. andar, sendo expandido depois para a casa de máquinas, dos elevadores, e até o porão do edifício, local de muito lixo. O síndico, senhor Antônio, me disciplinava educadamente. Difícil conter ímpetos de criança.
Ao completar oito anos, minha tia me autorizou a comprar leite Itambé na padaria ao lado do prédio. Sentia-me importante por levar os produtos do café da manhã: leite geladinho, acondicionado em garrafas gordinhas, e pães quentes.
Já com 10 anos, acompanhava a madrinha ao serviço, escritório dos Irmãos Pereira na Avenida Amazonas. Também lá virei o busca produtos para o lanche da tarde.
Mais anos chegaram, e virei uma espécie de funcionário mirim do escritório, sob a supervisão da madrinha. Ela detinha cargo de comando na sede do grupo. Com meu primeiro salário, adquiri um pequeno projetor. Começava ali minha paixão por cinema…
TODO ESSE encanto se desfazia quando chegava a hora de voltar pra Montes Claros, na maioria das vezes em companhia dos tios e tias. Ou a própria madrinha me levava; numa das viagens, de Kombi, atolamos feio perto de Curvelo. Trecho crítico da antiga rodovia 135, que, naquele tempo, nem sonhava com asfalto…
Agora, quando a viagem era de trem, até festejava…
Mal chegava na estação ferroviária de BH, sentia-me inquietamente ansioso para retornar. Nada como viajar de trem, ver as paisagens circularem serenas pelas imensas janelas, sempre com suave sacolejo amigo. Uma espécie de ensaio para valsas que nunca acontecem…
Assim, a despeito da calorosa acolhida da tia-madrinha, embarcava eufórico num fusca-táxi para retornar a Montes Claros. Seja em companhia de tias, tios ou da minha mãe, era sempre o primeiro a subir as escadarias da estação, posicionando-me lá em cima para apressá-los.
– Andem logo! O Trem não espera! Já está apitando!
Exageros, claro, pois o Trem Azul sempre nos aguardou tranquilo na imensa plataforma, volta e meia resfolegando os freios a ar. O apito de embarque se tornou meu som favorito nas estações, e agora, invertendo as funções, era quem puxava meus acompanhantes para andar rápidos.
Dentro do trem, respirando sôfrego, tentava alinhar as emoções com a impaciência de senti-lo se movimentando para iniciar a viagem de volta. Os berros da locomotiva pareciam música melodiosa aos meus ouvidos, e meu nariz se acoplava firme à janela, achatado pela pressão, à medida que o trem desfilava adeus profissional a quantos acenavam da plataforma.
Comentários estão fechados.