Yamaha RD 350, a famosa “Tampa de Caixão”: eis a melhor moto que já testei…
Nos anos 70, quando desfilava garboso pelo centro de Montes Claros-MG, pilotando minha Yamaha mini enduro GT- 50, pude também experimentar, durante dias, a famosa Yamaha RD-350, motocicleta apelidada de “Viúva Negra”/”Tampa de Caixão”. Já a conhecia pelas histórias contadas por admiradores confessos dessa valentona japonesa de dois tempos.
Dizia-se, inclusive, que os apelidos surgiram em face da quantidade de óbitos envolvendo a potentíssima RD-350. Dotada de linhas charmosas, com pilotagem confortável, porém brutal nas arrancadas, a RD simplesmente encantava (e ainda encanta). Mas ceifou muitas vidas de jovens entusiastas da velocidade…
A partir daí, a RD tornou-se temido mundialmente, apesar de admirado por motociclistas que reconheciam sua potencialidade, em vários sentidos. Fama que continua firme até nos dias atuais, enfocando as duas versões. Sempre se constituem em atração à parte de concorridas feiras de motociclismo.
A RD 350 também foi lançada na versão refrigerada a água, com elegante carenagem. Ficou idêntica às motos de competição. Mas a maior fama da interessante história dessa Yamaha sempre recaiu no modelo anterior, que apresenta motorzão saltado pra fora; exposição truculenta de robustos músculos mecânicos.
Não é difícil, portanto, imaginar o espanto das pessoas ao me verem circular em Montes Claros numa reluzente RD-350, cor lilás, arrancando feito louco após o sinal verde. Mal engatava a segunda, o ponteiro do velocímetro já saltava fácil além dos 100 quilômetros.
Nas marchas seguintes, o vento sibilava ruidoso acima do motor abaixo, que regurgitava força liberta, disposição estradeira. O silencioso do escapamento só tentava disfarçar a bravura indomável da gloriosa “Viúva Negra”.
Ao acelerar sem piedade, varrendo quarteirões da cidade em segundos, eu nem cogitava que várias vidas se perderam assim. Que motocicleta deliciosa, rapaz! Para não perder os óculos ray-ban, precisei amarrá-los firmemente na cabeça: o cordão se entrelaçava sempre com meus saudosos cabelos longos…
Naquela época, anos 70, usar capacete não era obrigatório. Mesmo nas rodovias, poucos usavam. E no setor urbano, não recordo de ninguém pilotando com capacete. Hoje, sei dos riscos que corri…
Pelo que havia lido, a RD-350 construiu respeitabilidade nacional e internacional por desbancar várias concorrentes em pistas oficiais de corrida, de dois e quatro tempos. A imbatível 350 não poupou nem as grandalhonas mundiais que reinavam pomposas, até então.
Sua potência descomunal desbancou, por exemplo, a popular Sete Galo 750, da Honda, motocicleta que levanta suspiros saudosos de muita gente. Outras máquinas orientais, de duas rodas, não conseguiram sobrepujar a nervosa RD: a Suzuki 500/750 cilindradas (versão dois tempos), além de outras igualmente respeitadas pela performance veloz.
Não tardou, em tal ritmo vitorioso, para que a RD-350 fosse comparada às gigantes da Kawasaki, supostamente a única marca que conseguiu manter um duelo equilibrado nas pistas com ela. As demais, segundo publicações especializadas, “comeram poeira”.
EM MONTES CLAROS…
A primeira RD-350 que chegou em Montes Claros, de cor verde-musgo, meados dos anos 70, ficou pouco tempo na loja de Valdeir Móveis, na Rua Altino de Freitas. Não se sabe se foi vendida para algum morador da cidade ou para algum outro município qualquer. Comprei minha mini enduro também nessa loja, em 74.
O sorridente Miguel Manso, morador em Salinas, surgiu com uma idêntica, anos depois. O fato é que nunca a vi circulando por MOC.
Já a RD-350 que me motivou a redigir o presente relato, praticamente nova, chegou em Montes Claros pilotada por Toihoake, japonês que conheci quando residi em São Paulo, em 79. Primo de Kimio e Toshio, com quem dividi apartamento, Toihoake demonstrou simpatia pela minha pessoa, e realmente cumpriu a promessa de me visitar em Montes Claros.
Ao vê-lo aportar na reluzente RD, apresentando poeira de asfalto nas partes baixas, mal acreditei: muito chão de SP a MOC…
O amigo japonês ficou alguns dias conosco. Também fez amizade com meu mano Zé Antônio, e os dois desbancaram a andar de Fusca 78 pela cidade. Aí, deixou a RD-350 sob “meus cuidados”. Apenas advertiu para ter cuidado nas arrancadas. Na primeira volta na Praça da Matriz, ultrapassei 120 quilômetros. Quanta indocilidade para andar devagar!
Foi uma das mais gratificantes experiências motorizadas que tive, desde então. A RD praticamente flutua quando o acelerador é manuseado para imprimir velocidade. Macia, essa Yamaha provou que não foi eleita rainha das motos à toa: fez por merecer.
No centro de Montes Claros, por onde transitei sem parar, era óbvio o olhar invejoso da rapaziada na RD-350. Costumava parar com ela no SKINA LANCHES, considerado ponto chique dominical dos jovens. Era ali que todo mundo se reunia para tomar sucos e comer sanduíches após à sessão das 16h no Cine Montes Claros, garbosa sala cinematográfica, dotada de projetores 70 mm.
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Fiquei triste ao ver o amigo japonês arrumando a mochila no bagageiro da RD para retornar a São Paulo. Dali pra frente, teria que voltar à pequena GT-50 mini-enduro Yamaha, que descansou enquanto a 350 esteve sob meu comando irresponsável.
Ainda hoje, ao recordar as voltas velozes com essa máquina de sonhos, acredito ter tido mesmo muita sorte. O saudoso mano caçula, que levei na garupa algumas vezes, gritou uma vez durante um desses voos terrestres:
– Essa moto é boa demais, Dão!
Marcelo, aos 12 anos, certamente não tinha noção do perigo que corremos ao ultrapassar todos os limites de velocidade numa avenida movimentada de Montes Claros.
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Em Cuiabá, também andei numa outra RD-350 cilindradas da Yamaha, motor refrigerado a água, coberto por carenagem, cores vermelha e branca. Mas, cá pra nós, a RD dos anos 70, dotada de motorzão exposto pra fora das laterais do tanque, essa, sim, inspirava respeito e certo temor.
O apelido “Tampa de Caixão” surgiu justamente em decorrência dos óbitos que a RD-350 causou ao ser pilotada de forma identicamente irresponsável. Difícil conciliar sensatez com a sensação de inebriante liberdade imposta pela sua selvageria mecânica…
Por João Carlos de Queiroz
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