Participei do filme do diretor Carlos Alberto Prates Correia…
Montes Claros, anos 70 – Quando ainda trabalhava na Reitoria da Fundação Norte Mineira de Ensino Superior, diretoria localizada no centenário casarão, onde também funcionou o Jornal do Norte, matutino fundado pelos empresários Américo Martins Filho e Antônio Santos, fui convidado para participar do filme “Cabaré Mineiro”, do diretor Carlos Alberto Prates Correia.
Informei a Cleonice Souto, secretária da Reitoria, que havia sido convidado para compor o elenco de figurantes dessa película dirigida pelo meu conterrâneo. Confessei nunca ter atuado em cinema, sendo incentivado a acreditar no meu potencial; que, aliás, nem sequer sabia exatamente qual era…
O diretor Carlos Alberto detinha fama e respeitabilidade pela sua bagagem cultural e artística. Deduzi ser uma honra poder compor o elenco de filmagens, ainda que fosse na condição de mero figurante. Só de estar lá, ao vivo, acompanhando tudo, valeria a pena…
Resta acrescentar que, por essa época, já era apaixonado por cinema, deliciando-me nas funções de projecionista. Para tanto, valia-me dos projetores que fui adquirindo, 16 e 8 mm.
Informaram-me que as tomadas do filme teriam lugar na boate de Edna; na verdade, uma famosa casa de prazeres sexuais, situada do outro lado da cidade. Não entendi muito tal escolha, e aí explicaram ser em função do tema do filme (“Cabaré Mineiro”); título que substituiu “O Aventureiro do São Francisco”.
Cheguei ao cabaré às 14h, nitidamente tímido, descontraindo ao encontrar alguns amigos por lá, a exemplo do inesquecível Fábio Martins da Rocha, historiador Ildemar Mendes, Bernardo e muitos outros…
– Comecem a se trocar, pois vamos começar os ensaios em alguns minutos – instruiu o próprio Carlos Alberto. Eu quis obter maiores informações, mas ele resumiu apressadamente:
– Vamos explicar tudo na hora, fiquem tranquilos. Nada complicado, relaxe…
Entrei no salão de dança da boate e percebi que as galerias estavam apinhadas de pessoas. Lá embaixo, muitas luzes e uma câmera posicionada em cima de trilhos. O cinegrafista checou o circuito das tomadas várias vezes, e o diretor gritou autoritário:
– Um minuto de atenção, por favor! Vocês têm que forjar uma animação carnavalesca…
O diretor ainda nos apresentou aos atores principais do filme, alguns globais, na época. A atriz Louise Cardoso derramava sorrisos de puro carisma. “Muito linda pessoalmente”, concluí ao ver seu brilho preencher aquele grande salão.
Os ensaios tiveram início, e foi meio enfadonho repetir o vai e vem carnavalesco tarde afora, acompanhando o carrinho da imensa câmera. O filme virgem estava vedado com fita adesiva. O diretor checava se o som funcionava direito, além de outros detalhes. Nada podia sair errado…
Nem sei por quantas vezes fingimos sambar nesse salão carnavalesco, indo e vindo requebrando até o balcão. Ensaios realmente extenuantes, sem nenhuma dose de ineditismo apimentado. Mal sabia o que aconteceria a seguir…
– Gente, agora é pra valer, vamos filmar. Portanto, caprichem na farra sambista. Antes de começarmos, quero que todos fiquem apenas de cuecas…
“De cuecas?!” Sério, mesmo?!” – raciocínio imediato.
Aquilo me pegou desprevenido, principalmente por escutar gargalhadas invisíveis, procedentes das galerias acima, completamente às escuras. A luminosidade esplêndida focava somente o salão central.
Animei-me ao ver dois conhecidos desfilando em trajes sumários, fazendo graça. Eles ostentavam beber uísque, ou algo parecido.
Associei essa cena a puro fingimento artístico, quando os artistas bebericam guaraná, como se fosse bebida alcoólica. Porém, ao tomar o primeiro gole sofregamente, engasguei feio: era uísque puro!
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Todos posicionados para as tomadas, o som de marchas carnavalescas retumbou firme em todo o ambiente.
Para minha surpresa, no momento em que supunha desfilar em mais um requebro solitário, fui enlaçado por braços mornos, ternos, de duas lindas morenas, ambas tostadas por sol carioca. Nem imaginei que contracenariam comigo.
As meninas vestiam trajes sumários, minúsculos, na parte inferior do corpo. Na inferior, estavam tal qual vieram ao mundo…
Empolguei-me, de vez, em ser ator de cinema, prestando atenção às instruções do diretor Carlos Alberto. Ele disse que as garotas sambariam conosco, e assim tínhamos que demonstrar entusiasmo carnavalesco. Nem precisava pedir isso…
Animado pelas presenças femininas, tive convicção de não ter nenhuma dificuldade para interpretar as tomadas seguintes. A mágica do cinema finalmente se explicava…
Uma das atrizes, de nome Fernandinha, quis saber logo meu nome, chamando-me de lindo. Adorei tal mentira…
Nas tomadas seguintes, elas sacolejaram os corpos esbeltos em ritmo frenético, e Fernandinha, na ânsia de dar mais autenticidade à cena, agarrou-me de maneira mais íntima, comprometedora. Não reclamei, naturalmente, nem quando me beijou. Nada de beijo técnico…
Foram registradas várias tomadas, cenas que entremearam danças e carícias ousadas das garotas, para minha alegria. Torci para que as filmagens demorassem horas. No entanto, depois de quatro idas e vindas do carrinho da câmera, o diretor Carlos Alberto, megafone em mãos, anunciou solene:
– Obrigado pelo apoio, pessoal! Vocês foram 10! Até uma próxima vez!
O amigo Deminha cochichou pra que eu vestisse urgente as calças.
– Vamos, acabou o filme! Vá se vestir, cara! Olha aí!
Em minutos, a boate voltou à sua cor original, após os holofotes serem desligados. As galerias foram se esvaziando e todos saímos de lá. Corri para não perder Fernandinha de vista, aguardando-a se trocar. Ela saiu apressada, apenas dizendo:
– Valeu, meu lindo! Nunca vou esquecer você! Tchau!
Na sequência, sem olhar pra trás, Fernandinha embarcou num carro preto, transporte oficial da equipe. Creio que fingiu nem ver meu triste aceno de despedida ao passar bem ao meu lado.
Mantive a mão suspensa de modo patético por longos segundos, anestesiado emocionalmente pelo desencanto sofrido. O carro acelerou forte, desejoso de sair dali rapidamente. Mais abaixo, virou à direita e desapareceu de vez.
– Vamos embora, rapaz! A filmagem acabou! É The End, não compreendeu? Aquela garota já era! – novo comentário crítico do professor Deminha.
Ouvi alguém me cumprimentando, e nem respondi, angustiado, sensação de perda apaixonada. Aquele incômodo nó na garganta me acompanhou até em casa, e hoje sei que a umidade dos olhos não foi causada pelo vento…
Por ser atriz, imaginei, talvez estivesse interpretando frieza; ou talvez aquela conversa com sua colega fosse bem mais importante do que mero olá a alguém que se interessou tanto por ela…
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Não cheguei a assistir o filme “Cabaré Mineiro”, e quando pude localizar algumas tomadas pela internet, anos depois, revi afoitamente a cena de carnaval, tentando descobrir Fernandinha.
Infelizmente, a “fumaça” de gelo seco toldou a maioria das céleres imagens que protagonizaram saudosismo carnavalesco, tomadas na base de flash. Olhei e olhei, sem reconhecer ninguém. Nem meus amigos estavam nessa cena…
Por João Carlos de Queiroz, jornalista
Elenco do filme Cabaré Mineiro: Nelson Dantas, Tamara Taxman, Tânia Alves, Tavinho Moura, Helber Rangel, Louise Cardoso, Carlos Wilson
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