Chegar de trem a Belo Horizonte era fascinante…
Desembarcar do Trem Azul, em Belo Horizonte, foi rotina de férias agradabilíssima durante grande parte da minha infância e adolescência, entre os anos 60 e 70. Só de vislumbrar os imensos prédios da capital mineira, perfilados imponentes à passagem do comboio norte-mineiro, em saudação estática, já considerava ter valido a pena enfrentar a longa viagem.
Normalmente, saíamos de Montes Claros às 17h em ponto, para desembarcar em Belo Horizonte mais ou menos ao meio-dia. Mas compensava , no final, as muitas horas de balanço-sobre-trilhos, a bordo da imensa lagarta mecânica
Logo ao amanhecer, atraído pelo cheiro de café, eu corria ligeiro para “guardar” mesa no vagão-restaurante, pois logo estaria abarrotado de passageiros sonolentos. Minha mãe chegava minutos depois, e pedia educadamente para nos servir. A primeira refeição no trem não era chique: café com leite, queijo e doce de marmelada, destinado a “amanteigar” o pão.
Pela imensa janela do vagão-restaurante, ainda embaçada de gélido orvalho noturno, bebericávamos sem pressa o delicioso lanche matutino. Não tardaria e implacáveis raios solares inundariam o interior do carro, descortinando as belezas rurais da Região Metropolitana. Sempre aconteceu isso, recordava bem…
O trem apitava então continuamente, creio que para avisar de sua passagem, entremeando ruidoso matraquear a cada cruzamento de linhas. Outros comboios passavam firmes ao lado, em direção contrária. Curiosidade saber para onde iam…
A partir daí, mais passageiros se movimentavam ágeis pelos vagões, e no carro poltrona-leito, onde viajávamos, alguns retiravam as mochilas apressadamente do bagageiro. Indícios de que estávamos mesmo chegando…
No entanto, mais horas transcorriam, e os apressadinhos voltavam a dormir placidamente ou a ler, resignados em aguardar a finalização da viagem.
Lá pelas 11h30m, ocorriam indícios de que Belô estava pertinho: redução drástica de velocidade do trem, seguindo-se trancos sucessivos dos freios e berros incessantes da locomotiva.
No alto dos barrancos, vultos e mais vultos de favelados acenavam lenços aos viajantes que nem viam. Quanta gentileza de quem nada tinha de confortável em suas vidas!
Mais alguns minutos, e o trem passava a perambular lento pela bitola estreita, engolfado por canal ferroviário. Podíamos ver, no entanto, o início de movimentação urbana nos arredores da capital mineira.
Mais apitos e trancos gritantes e a composição da R.F.F.S.A. finalmente estacionava triunfante na parte baixa da estação de cor cinza. Havíamos chegado!
– Vamos, filho! Chegamos! – dizia a professora Maria Eny, puxando-me pela mão.
###
De todas as belezas dessa viagem, a única coisa que me desagradava era circular pelo túnel no subsolo da estação, fetidamente exalando odor de urina. Um corredor iluminado por lâmpadas amarelas, bem fracas, envoltas em grades metálicas e suspensas na área. O alívio era subir as escadas adiante, saindo daquela fedentina.
– Agora, é procurar táxi… – informava minha mãe ao descermos a escadaria da estação. Não seria problema encontrar algum: muitos táxis-fuscas enfileirados em frente…
Por João Carlos de Queiroz, jornalista
Comentários estão fechados.