A amiga que não entendeu a amizade…

FINAL

Telma foi minha primeira grande amiga em Cuiabá, logo após desembarcar na capital, em 1989. Prostituta profissional, tornamo-nos inseparáveis, e passei a vê-la como a irmã que nunca tive…

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No Clube Dom Bosco, bate-ponto semanal que eu e Telma escolhemos, pude comprovar o motivo dela ser tão requisitada no prostíbulo: seu corpo escultural, de curvas suaves, chamava a atenção geral, tanto de homens e mulheres. Em busca de bronzeado perfeito, minha sensual amiga permanecia bom tempo refestelada perto d’água.

Algumas mulheres cochichavam de forma despeitada ao vê-la nessa atitude lânguida ou desfilando garbosa ao lado da piscina, indiferente aos olhares ciumentos…

Telma talvez não tivesse noção exata do quanto era linda e dos sentimentos adversos que despertava nas pessoas. Ao sorrir, irradiava satisfação por existir, ser saudável.

A minha amiga deve ter percebido que eu também a admirava, apesar de jamais ter esboçado a mínima atitude de cobiça pelo seu corpo. Reconhecia nela uma mulher extraordinária, sim, a irmã que tanto sonhara ter um dia. Porém, impossível deixar de reconhecer sua beleza provocante. Seu perfume extasiava os sentidos…

DECIDI não me deixar envolver pela tentação da carne, primando em preservar nossa amizade. Sabia que, ao menor vacilo de fraqueza, todo aquele encantamento cultuado durante meses se esvaeceria. Só precisava avisar Telma sobre isso…

Uma tarde, como quem não quer nada, Telma pediu que fosse com ela até o prostíbulo para pegar roupas. Não entendi muito bem esse convite, mas a acompanhei. Era um horário em que as madames dormiam placidamente, à espera das noites de agitação…

Telma abriu seu quarto e me convidou a entrar, frisando para ficar bem à vontade. “Volto num instantinho”, disse. E entrou no banheiro.

Fiquei ali, olhando aquele recinto colorido, sentindo a cama afundar ao menor movimento do corpo. Local em que minha amiga ganhava seu sustento concedendo prazeres…

De repente, Telma surgiu em trajes íntimos, pra lá de provocantes, já se deitando ao meu lado. Pediu que também me livrasse das roupas. “Você me quer, bem sei…” – sussurrou.

Queria, naturalmente, mas queria também a manutenção da sincera amizade que cultivávamos há meses…

Fiquei sem ação e mudo, olhando-a se contorcer feito uma cobra na imensa cama. Senti seu hálito perfumado ao reforçar o tentador convite: “Sou toda sua… Venha logo..”

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A baforada de calor da tarde cuiabana, ainda no jardim do prostíbulo, foi um sinal de que estava fora do quarto aconchegante da querida amiga. Deixei-a lá sem dizer uma só palavra de explicação, simplesmente saí.

Antes de descer a rua, em direção ao Condomínio Vila Verde, vi de relance que Telma aportara no alpendre, olhando-me triste. Não sei se tentando compreender o que nem eu mesmo poderia explicar…

Nos dias subsequentes, ao procurá-la novamente, ela sempre tinha desculpa de estar ocupada, e, consequentemente, fomos perdendo o contato amigo tão preservado até àquela tarde infeliz.

Ainda vi Telma algumas vezes, em passos apressados em direção à Avenida Fernando Corrêa da Costa. De início, cumprimentou-me com rápido aceno de mãos, passando depois a me ignorar. Inútil cumprimentá-la, pois havia se tornado surda ao amigo…

Hoje, entendo que minha amiga não entendeu a sincera amizade que tentei manter sem nenhum outro interesse pessoal…

João Carlos de Queiroz

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