Fui vizinho da Miss Minas Gerais…

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Imagine ser vizinho da Miss Minas Gerais..
Mesmo criança, então com seis anos de idade, fiquei deslumbrado com aquela notícia…
A antes desconhecida vizinha entrou no topo do meu interesse, pois desejava me vangloriar com os amiguinhos de bairro. Sentia-me privilegiado pela proximidade da miss com nossa modesta casa de formato triangular…
 
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Montes Claros-MG – Virgínia Barbosa foi colega de minha mãe na “Escola Normal Oficial Professor Plínio Ribeiro”. Nas palavras da então estudante do Normal, tratava-se de uma moça simples, comunicativa, sempre solícita em ajudar a todos. Atributos de berço, sem dúvida…
 
A estonteante beleza de Virgínia apenas somou mais pontos nos seus dotes pessoais, destacou minha mãe ao enaltecer os méritos de sua colega de classe:
 
“Virgínia é uma menina linda, encantadora em todos os sentidos. Gostamos bastante dela. Tanto que encantou os jurados. Mereceu vencer!”
 
A notícia de que a nova Miss Minas Gerais residia em Montes Claros correu fácil pela cidade, motivando comemorações. Na época, disputas de miss convergiam atenção geral do País, similar aos atuais jogos da Seleção Brasileira.
 
Segundo estampou a Revista Manchete, em 29.04.1967, “Virgínia saiu de uma cidade (Montes Claros-MG) onde os vaqueiros são reis para realizar uma viagem de sonho. Descobriu o Rio ao lado do pai, Humberto Barbosa, e treinou ao sol um estilo diferente de beleza para assombrar os jurados de Long Beach…”
 
Eleita miss, Virgínia manteve posto de celebridade suntuosa em MG durante semanas seguidas, com todos querendo cumprimentá-la e obter autógrafos. Convidada para vários eventos, posou para fotos e distribuiu cativantes sorrisos.
 
Já na Escola Normal, suas colegas de sala a recepcionaram calorosamente. Minha mãe diz ter visto seus olhos umedecerem de emoção ao receber tantos parabéns
 
O detalhe mais interessante é que Virgínia morava quase em frente à nossa antiga casa, próxima à Avenida Geraldo Athayde. A partir do momento em que soube ser vizinho da nova Miss Minas Gerais, conhecê-la pessoalmente se tornou ponto de honra.
 
Então criança, passei a perscrutar o entra-e-sai de pessoas por lá, na esperança de que a miss fosse uma delas. Foi um plantão infantil de dias, mas sem êxito aparente.
 
Uma tarde, como quem não quer nada, encostei meu corpinho magrela perto do alpendre, olhando entre as frestas do murinho para ver se havia alguém por lá…
 
Mais audacioso, abri o portão e entrei em passadas de pluma, já captando vozes na sala. Torci para que fossem de Virgínia…
 
Enquanto ainda pensava em avançar casa adentro, temendo ser flagrado, eis que surgiu uma senhora de rosto rosado, ostentando franco sorriso indagativo. Só consegui balbuciar morar em frente, sendo filho da colega de Virgínia. Explicação não convincente…
 
Creio que ela entendeu minha curiosidade em querer conhecer a filha miss, pois me convidou para entrar. Meus olhinhos curiosos varreram tudo. Nada da miss…
 
Uma outra senhora cruzou rápido pela sala, dirigindo-se aos fundos da casa. Nem deve ter me visto, pois fui ignorado por completo.
 
– Se gosta de pudim, aqui está! – ofereceu a bondosa mulher, rosto tingido de róseo pela natureza.
 
A anfitriã detinha ar intimamente familiar, senti isso desde que falou comigo pela primeira vez. Inspirava confiança fraterna.
 
Dei umas bocadas nada educadas no pudim, ao que ela sorriu compreensiva. Sabia que crianças costumam ser gulosas com doces…
 
– Sua mãe é uma boa pessoa, gosto dela. Qualquer dia vou visitá-la, pode dizer – comentou afável.
 
Entretido em devorar o delicioso pudim, só meneei afirmativamente a cabeça…
 
– Pode levar o resto do pudim da bandeja: tenho outro na geladeira – informou a gentil senhora ao perceber que não sobrou nem um pedacinho sequer no prato.
 
ANTES de sair, fiz nova varredura visual, e a esperta dona de casa disse:
 
– Aviso você quando minha filha Virgínia chegar. Ela quase não tem tempo pra nada nos últimos dias, tadinha: são muitos compromissos de miss…
 
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Nos dias seguintes, empreendi velada observação da casa em frente, tentando flagrar Virgínia {entrando ou saindo}. Como criança dorme cedo, e geralmente acorda tarde, nunca pude ver a famosa miss…
 
– Ela tem faltado às aulas ultimamente. Ser miss exige muita dedicação… – explicou minha mãe em conversa com parentes. Palavras idênticas às da senhora de feições rosadas…
 
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ENFIM…
 
O tempo passou e terminei desistindo de cobiçar o precioso autógrafo da Miss Minas Gerais. Até deduzi que Virgínia se mudou de lá: a casa amarela da miss ficou quieta de vez, com o portão sempre trancado, imperando persistente silêncio e ausência de luzes.
 
Restou apenas a lembrança da apática casa amarela de Virgínia; imóvel de nível mais elevado, em relação à rua. O austero alpendre transversal devia possibilitar aos seus moradores apreciar quem acaso transitasse em toda a área.
 
João Carlos de Queiroz, jornalista
 
Fotos de Esko Murto, Revista Manchete, 29.04.1967
 
(Revista Manchete): “(…)Virgínia Barbosa de Souza é a primeira representante de MG a ser coroada Miss Brasil Internacional em 1967. Ficou em quarto lugar no Miss Brasil 1966, já que a cearense Francy Carneiro Nogueira, que representava o Brasil  no Miss Internacional, não viajou para Long Beach. Nesse ano não houve eleição de Miss Internacional”.
 
Virgínia reside atualmente em Belo Horizonte-MG. Casou-se com o empresário Saulo Wanderley, pai dos seus seis filhos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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