Quando as portas do Jornal do Norte foram escancaradas às minhas retinas…

Montes Claros – Adentrei extasiado no Jornal do Norte nos anos 80, antevendo que poderia aprender muito ali. Afinal, mal engatinhava na função jornalística, apesar de passagens relâmpagos por alguns periódicos locais, sem grande destaque.

Aquele novo matutino, fundado pelos empresários Américo Martins Filho e Antônio Santos, sabia, representava essência modernista na linha editorial então vigente na “Princesa do Norte de Minas Gerais”, de caráter nitidamente conservador.

Emocionei-me ao escutar o editor Robson Costa, procedente do Estadão de SP, falando sobre como pretendia revolucionar a forma de fazer imprensa no Norte de Minas Gerais.

Robson não falava abobrinhas: de fato, o Jornal do Norte aportou em Montes Claros com formato inédito; roupagem do agrado geral.

Por algum tempo, ziguezagueei esperançoso pela redação, atento à possibilidade de surgir vaga de repórter. Olhava invejoso os jornalistas já atuantes por lá. Um ou outro me cumprimentava, logo voltando a dedilhar as máquinas novinhas.

Observadores, os diretores-sócios perceberam que eu poderia ser útil em alguma função. Fizeram uma proposta e eu aceitei, passando a ser revisor do Jornal do Norte, no período noturno.

Meu turno tinha início quando os repórter iam embora, mas estava feliz de poder integrar a equipe do matutino. Depois, pensei, conquistaria mais espaços…

A revisão ficava próxima à oficina, no térreo do sobrado, e, não raramente, abundante fumaça tóxica, proveniente dos linotipos, invadia sem cerimônias a pequena sala de trabalho, causando espécie de asfixia.

Dali também era possível ouvir nitidamente o barulho das máquinas de composição mastigando chumbo sem parar. Difícil dialogar com tantos ruídos…

Juntamente comigo, trabalhava um outro revisor. O referido colega detinha bafo desagradável de uísque. Talvez com receio de ser flagrado, vivia mastigando balas de hortelã, o tempo todo. Seus olhos inchados denotavam ser mais um dependente de álcool.

Vícios à parte, o colega revisor esbanjava carisma, voz firme, cara de intelectual francês. Usava óculos de grau, mas sempre olhava a todos por cima das lentes de fundo de garrafa.

Imaginei que não precisava de óculos para trabalhar, levando-se em conta esse detalhe…

Tratava-se de um rapaz inteligentíssimo, pródigo em tiradas ácidas acerca da política e outros fatos. Suas correções nas páginas do jornal eram impecáveis, e não poucas vezes ele flagrou meus deslizes. “Preste mais atenção, meu jovem!”, dizia sorrindo.

Inclusive, divulgou, tinha algumas ideias para melhorar o próprio jornal, confessando que guardaria todas apenas pra si. “Dificilmente, bem sei, seria ouvido…”

Ligado à salinha de revisão, existia um porão apertado, local de antiga tortura escrava. Quando o austero sobrado sediava a Reitoria da Fundação Norte Mineira de Ensino Superior, o dito porão ostentava tétrico tronco de escravos.

Por sinal, trabalhei na Reitoria em 74, e não poucas vezes transitei curioso nas proximidades desse porão, imaginando as barbaridades que não aconteceram lá dentro. Arrepios violentos se aliaram à possibilidade de escutar gemidos agonizantes a qualquer momento…

No ato da construção dos muros ao redor do sobrado, fui informado que encontraram esqueletos acorrentados, alguns com mãos algemadas. Quem residia por perto dizia escutar gritos lancinantes, madrugada afora…

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Com a porta do porão lacrada, pelo menos podíamos trabalhar mais tranquilos, pensava ao sair da saleta de revisão para ir ao banheiro ou andar um pouco pelo quintal, a fim de espairecer a mente e descansar a vista.

Já na gráfica do Jornal do Norte, quanto mais as horas avançavam, mais a agitação aumentava. Os linotipistas Tião e Anselmo se destacavam pela seriedade e competência profissional naquelas máquinas monstruosas.

Também ficava a cargo deles acompanhar a montagem das páginas, alinhando fotos e textos. Antes de o material baixar à impressora, precisava passar por última revisão, a mais importante.

Um dos deliciosos momentos madrugadores do Jornal do Norte consistia no lanche, geralmente pão, queijo e leite. Não recordo de café, acho que nunca fizeram. O leite se constituía em barreira não muito eficaz contra a intoxicação de chumbo.

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Fui um revisor dedicado, creio eu, esforçando-me para cumprir minhas atribuições a contento. Tanto que saía cedo do jornal para ir dormir por algumas horas, já levando uns dois exemplares. Todos em casa diziam ser “jornal da hora”, quentinho que nem pão na chapa…

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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