Ainda que tenha sido aprendiz um dia, Felipe Gabrich logo assumiu posto de mestre do jornalismo
Editor e cronista conceituado em Montes Claros-MG, Felipe Gabrich nos deixou saudosos de sua potencialidade literária e, também, de sua companhia inteligente, pra lá de agradável...
Montes Claros-MG, 1991 – AQUELE janeiro, recordo bem, alquebrou o marasmo tradicional de Montes Claros; letargia normalmente registrada após a eclosão dos festejos natalinos. Foi um começo de ano inédito, sem dúvida.
Havia no ar palpável expectativa de novidades a serem alardeadas nas páginas de jornais em escala dominó, fruto harmonioso de rompante tecladista. Para tanto, os textos datilografados pelos repórteres competiam protagonismo de impressão chumbada na barulheira infernal da gráfica do “Diário de Montes Claros”, situada no miolo da Rua Dr. Santos.
Ao cair da tarde, o prédio de três andares, construído pelo jornalista Décio Gonçalves Queiroz, mais uma vez estremeceu sinistro a cada tranco das “Maria Fumaça” estacionárias, com nítida impressão de mastigadores gigantescos.
Preocupante a produção tóxica de chumbo fumacento descarregado na ampla sala pela produção harmoniosa dos linotipos. Coitado dos funcionários!
Nesse dia, ou melhor, quase noite, a figura carismática do editor-chefe Felipe Gabrich desceu à gráfica para verificar se a montagem da página principal seguiu suas instruções. A manchete era segredo guardado a sete chaves, literalmente bombástica.
Fã de carteira do talentoso profissional de imprensa, segui Felipe Gabrich pelas alamedas londrinas da gráfica, digamos assim… Quase não se via nada ali dentro, por causa da fumaça sufocante. Mas, tranquilo, Felipão não se importou de ser torpedeado por tanto odor tóxico, e explicou mais detalhes de como deveria ser aquela edição. Ninguém o contestou, respeito total…
Essa interrupção de Felipe paralisou por alguns minutos o pique de burburinho intempestivo de produção do jornal, convergindo atenção total. Afinal, conforme instruía, a notícia precisa sair “fresca”. Atrasos implicam em sofrer “barrigadas”, furos. É quando um outro jornal se antecipa à manchete que determinado concorrente não divulgou.
SENHOR DAS LETRAS…
ANTES mesmo de se tornar um senhor editor, Felipe Gabrich angariou posição respeitosa de gráficos e jornalistas, em geral. Não raro, participava do lanche da gráfica de todos em que atuou, detonando gargalhadas prazerosas nas breves pausas do pique produtivo. Exatamente como testemunhei no “Diário de Montes Claros”.
Andando de lá pra cá, Felipe indagou sobre a manteiga. Alguém disse um “acabou”. Olhando-os fixamente, ar de cobrança teatralmente nervosa, ele exclamou sorridente:“Seus gulosos! Não deixaram nadinha pra mim!” O jeito foi mordiscar o pão sem manteiga…
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Felipe ainda conversou com dois linotipistas veteranos do jornal, Anselmo e Tião. Sempre queria ouvir deles alguma opinião, sendo aberto a sugestões capazes de melhorar o “Diário de Montes Claros”. Humildade admirável.
Também não demorou muito por ali, mastigando rápido o resto de pão e indo à cata de mais café com leite. “Vocês parecem bezerros tomando leite, olha aí! A quinta caixa está no fim, cara!”, comentou bem-humorado ao saracotear comendo pela gráfica. Palpitou umas vezes sobre as páginas já montadas.
Depois, agilidade atlética, de quem um dia brilhou nos campos de futebol, o jornalista Felipe Gabrich retornou ao seu posto escrevinhador no terceiro andar. Não tardaria a descer mais notícias pelo barbante-elevador…
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DESPEDI-ME a seguir e fui pra casa pensando na mágica noticiosa que ocorre diariamente em lugares aparentemente sufocantes. Porque, nos tempos em que rodei pelas redações e gráficas, nunca vi alguém se queixando de ser ambiente insuportável, pelo contrário.
Dessa forma, passei a valorizar duplamente a jornada de gráficos e jornalistas. Pois é deveras cômodo para os leitores comparecer a bancas de revistas e comprar jornais dia após dia, inteirando-se das últimas novidades. Ou simplesmente recebê-los em casa.
É óbvio, concluindo, que poucos leitores sabem o quão difícil é ultimar uma edição de jornal; principalmente naquela época, quando a mão do homem assumia funções hoje realizadas por máquinas. Tarefa exigente de esforço idealista, qualidade presente no saudoso Felipão.
Por várias ocasiões, pude vê-lo feliz ao folhear, no dia seguinte, o fruto do corre-corre anterior dos colegas estampado em manchetes sensacionais. Notícias sofregamente abocanhadas a cada manhã.
Por João Carlos de Queiroz
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