Cartas de amor: muitas já se perderam por aí…

Houve época, nos meus tempos nostálgicos de adolescência, quando o corpo e a mente ansiavam por novidades a todo instante, que redigi e declamei incontáveis poemas amorosos. Tolices da idade, hoje bem sei, mas me dediquei fervorosamente ao amor sem tréguas, seja com sol, frio ou chuva.

Para tanto, minha pequena valente de 50 cilindradas, moto Yamaha mini-enduro, cumpriu ritual de entrega-rosas e bilhetes amorosos toda santa noite. Por vezes, igualmente fustigada pela gélida temperatura de junho e julho. Mas, se não entregasse tais prendas, eu não conciliaria no sono; aquilo virou obsessão. A gente fica obcecado por sentimentos confusos, e a ingratidão monta bases irônicas nesse caso.

Digo isso porque nunca tive notícia agradecida de qualquer encomenda semelhante, apenas troça das meninas paqueradas. Elas ululavam divertidas, fui informado, ao ver os bilhetinhos protegidos por plástico ou invólucro de maço de cigarros, a fim de que a umidade não estragasse as declarações pretensiosamente poéticas. Mais ou menos assim:

“Na calada de mais uma noite solitária, quando nem as corujas emitem pios educados, eis-me aqui a seus pés, linda morena, suspirando para que seu coração resplandeça alguma esperança de acalento aos meus batimentos apaixonados”.

Quanta besteira escrevi, meu Deus! Isso, sem contar o rodopiar incessante pelos quarteirões das musas, sempre atento às cortinas das janelas. Vai que uma das minas escutou o barulho característico do pequeno motor japonês e resolveu me dar uma canja…

Não foi agradável, por outro lado, encontrar algum pai ou mãe com cara azeda na calçada, à espera de que passasse por ali. Uns até me pediram para parar para uma “conversa”, acenando impacientes. Prevendo uns tabefes, preferi rodopiar ágil o acelerador da motocicleta e abrir fuga daquele confronto esquisito. Fim da baderna motoqueira.

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Não raramente, conferi numa das circuladas pelos quarteirões das musas, os bilhetes e rosas estavam jogados no asfalto, visivelmente pisoteados pela ira de quem acordou com o alvoraço pipocador da moto. No mínimo, os pais…  A descarga da pequena sempre abria ronco estrondoso por onde passava.

Para não contabilizar apenas frustrações, uma ocasião, lá pelas duas da manhã, uma das princesas acenou medrosa num dos cantos da janela. Eu já deixara bilhete com botão de rosa no seu alpendre na passagem inicial, e empreendi sucessivos contornos pelo quarteirão sonhando com seu despertar. Deu certo.

Só não gostei nadinha foi quando minha moto derrapou numa das esquinas do bairro Todos os Santos, perto da casa de Consuelo Alvim, uma das meninas por quem me julgava perdidamente apaixonado. Estatelei-me feio no meio-fio, e por pouco meu cérebro não virou tomate despedaçado no concreto. Muitos arranhões doloridos nos braços e pernas…

Aliás, a Brasília azul-clara do pai de Consuelo, placas ET 5210, ainda está vívida na memória, apesar dos anos. Em 1976, Consuelo costumava desembarcar desse veículo na porta do Cine Montes Claros, sessão das 16h. E eu lá, suspirando de amores. Também acho graça de tudo isso, hoje em dia; fui bobo da Corte, sem dúvida.

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Hoje, dezenas de anos após inúteis babaquices, comprovo que perdi precioso tempo em perambular a esmo pela cidade, momento em que  poderia estar dormindo deliciosamente. Afinal, nenhuma daquelas meninas sequer deve se lembrar disso; e, se acaso alguma recordação aflorar, certamente será para se divertirem. Mais uma vez…

Daí que entendo agora as palavras sábias do meu pai, por vezes sonolento ao abrir o portão lá de casa para o filho boêmio. “Um dia, coisa de anos à frente, você vai finalmente perceber que perdeu bom tempo ao se dedicar a tantas tolices”. Meu velho tinha plena razão…

Por João Carlos de Queiroz

 

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