Família Bargas e a bocha paralímpica; o esporte mudando vidas
A bocha uniu as irmãs Débora, Bianca e Fernanda Por Juliano Justo - Repórter da TV Brasil - Rio de Janeiro
Três dos 21 integrantes do segundo período de treinos da Seleção Brasileira de Bocha Paralímpica têm algo em comum além do amor pelo esporte. É o mesmo sobrenome: Bargas.
Débora, de 28 anos, atleta da classe BC 3 (cujos competidores contam com o auxílio de calheiro que ajusta a calha para o atleta jogar a bola). Fernanda, de 16 anos, calheira. Bianca, de 22 anos, staff.
“Já somos reconhecidas pelos nossos colegas como a família da Bocha” diz Débora, que tem Atrofia Muscular Espinhal (doença degenerativa que afeta a produção de uma proteína essencial para a sobrevivência dos neurônios motores).
A história das Bargas no esporte adaptado começou em 2012 e por acaso. “Estava resolvendo algumas coisas na rua com a Débora [quando] o Moisés (diretor da Associação Paradesportiva da Baixada Santista – APBS, de Guarujá) e o Wagner Barata (técnico da classe BC3) vieram perguntar se a gente conhecia a bocha. Mas nós não fazíamos ideia que existesse esportes para cadeirantes. Foi uma surpresa que a minha irmã decidiu encarar”, lembra Bianca, que também topou o desafio, inicialmente como calheira da irmã mais velha.
“Já tinha visto basquete em cadeira de rodas e natação, mas nunca a bocha. Achava que precisava ter força, algo que, pela minha doença, eu não tenho. Mas o Wagner me chamou e disse que o atleta mais vencedor do clube tinha bem menos mobilidade do que eu. Daí acabei indo e gostei bastante e estou aí até hoje. Já são oito anos” lembra Débora.
Em 2018, o próprio técnico Wagner Barata propôs uma troca de auxiliar. E foi assim que a irmã caçula Fernanda, 16 anos, passou a ser a calheira da Débora. “A gente brincava muito que eu deixava a Débora nervosa nas competições. Assim que surgiu essa história”, diverte-se Bianca.
O nome da irmã caçula surgiu porque a equipe do clube da baixada santista é bastante pequena. Só que até a definição, o caminho não foi fácil. “Ela relutou um pouco. Ficou naquela indefinição por algumas semanas. Até que se decidiu”, lembra Bianca.
“Elas já falavam isso antes. Mas era tipo uma brincadeira. “Ah, quando a Fernanda for mais velha, ela vai ser a calheira. Mas, em princípio, eu ficaria com uma outra atleta. Só que me dei melhor com a Débora e estamos bem hoje”, diz a jovem Fernanda, que cursa o último ano do ensino médio e quer ser engenheira civil.
Na parte do jogo propriamente dita, a garota revela alguns detalhes. “No início eu ficava muito mais nervosa. Tinha medo de deixá-la queimar (quando a cadeira avança além de uma linha limite indicada no piso). Agora eu sei que o jogo depende muito da Débora. Vou fazendo o que ela me fala. O resto vai bem automático”.
Com bom humor, a Débora fala sobre a parceria com as irmãs na bocha. “A Bianca entendia mais do jogo e, algumas vezes, me deixava um pouco mais nervosa. E a Fernanda ainda está na fase de aprendizagem e a gente consegue ir mais por gestos para evitar alguns erros durante o jogo. Mas são duas calheiras excelentes”.
Focando mais na parte dos benefícios da aproximação das três irmãs através da bocha, o técnico Barata destaca os ganhos das jovens. “A Fernanda trabalha com a Débora. Ela relutou no começou, mas agora ela não é só a irmã da Débora. Ela é profissional da área e recebe um valor da irmã para ser calheira, diz o comandante da equipe da classe BC 3 da Seleção Brasileira.
Ao responder sobre as mudanças que os oito anos de esporte trouxeram na vida da Débora e da família, Bianca revela o outro lado dessa história. “Abriu várias portas. Trouxe uma autonomia muito maior para a minha irmã. Hoje ela é totalmente desenrolada, resolve toda a vida dela. E, depois de 2012, a gente fala que ela está tendo uma vida nova”.
Fernanda, a caçula do trio, ressalta, que com a bocha, ela se aproximou ainda mais da irmã cadeirante. “Eu sempre ajudei em casa. Mas lá, eu sempre tive a ajuda da minha mãe e do restante da família, até pela questão do peso. E agora com as viagens somos mais nós duas mesmo e a gente se vira super bem”.
Débora lembra a ida da Bianca para a seleção brasileira em 2017 como um marco. “Nós somos super unidas. Mas, quando ela começou a estar mais tempo na seleção, eu comecei a ficar cada vez mais tempo com a Fernanda, já que a minha mãe trabalha à noite. Eu preciso de ajuda em vários detalhes, para me virar na cama, para tomar os remédios, com o banho. E a Fernanda já me ajudava muito lá em casa. Então, aqui na seleção não tem sido tão difícil”. A cadeirante também garante que as crises respiratórias, antes constantes, agora são bem menos frequentes.
Nas palavras do técnico Barata, outros detalhes dessa bela história são reveladas. “A Bianca foi estudar fisioterapia para cuidar da irmã. Então, hoje ela é formada e pode ter um tratamento especial com o irmã e melhorar a qualidade de vida da Débora. A Fernanda está incluída como calheira e quem sabe, no futuro, ela não possa buscar também um curso superior nessa área. A gente avalia como muito positivo a participação e a integração da família dentro do movimento paralímpico. Tem dado bons resultados e surtido efeitos. O desempenho da Débora nas competições prova isso”.
“Nós gostaríamos que essa história da família Bargas pudesse inspirar muitas outras ao redor do mundo e trazer mais gente para o esporte adaptado”, diz Wagner Barata.
Esta foi a segunda convocação da Débora e da Fernanda para a Seleção Brasileira. Já Bianca, segue como staff e auxilia a equipe nacional desde 2017. Ao lado da atleta Natali de Faria, da classe BC2, ela está com a classificação muito bem encaminhada para os Jogos de Tóquio.
Para este ano ainda estão previstas outras cinco etapas preparatórias visando a Paralimpíada, em agosto. O Brasil possui nove vagas para os Jogos de Tóquio, que foram conquistadas na Etapa das Américas da BISFed, em outubro de 2019, no Centro de Treinamento Paralímpico de São Paulo.
Entenda como é disputada a bocha adaptada
Edição: Liliane Farias
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