Atleta paralímpico, João Saci quer conquistar o Monte Everest
Sem uma perna e sem parte do pulmão, goiano não teme o desafio Por Lincoln Chaves, repórter da TV Brasil - São Paulo
A vida impõe desafios a João Carlos Rodovalho desde 2001, quando teve diagnosticado o primeiro de cinco sarcomas de Ewing. O tumor maligno, que acomete ossos e partes moles e o levou, primeiro, a amputar a perna esquerda a partir do joelho, espalhou-se e o obrigou a retirar parte do pulmão esquerdo. “Se estou vivo hoje, se tenho qualidade de vida e consigo fazer as minhas coisas, é por causa do esporte”, resume à Agência Brasil.
O esporte o ensinou a enfrentar os limites impostos pelos comprometimentos causados pelo câncer. Hoje, é ele próprio quem se desafia. João Saci, como é conhecido, encarará o Monte Everest, montanha de maior altitude no planeta, com pico 8.848 metros acima do nível do mar, na fronteira entre o Nepal e o Tibete. O desafio do goiano de 36 anos é chegar ao acampamento-base, a 5.364 metros, onde os alpinistas que seguem até o cume ficam para se aclimatar. Ele monitora a situação do coronavírus (Covid-19) no continente, uma vez que a vizinha China é o epicentro da doença, mas mantém a previsão da viagem para abril.
Será, garantiu o próprio, a principal prova esportiva de resistência da vida. Segundo ele, o maior desafio até hoje foi uma corrida de nove quilômetros em São Leopoldo (RS): cinco no asfalto, quatro no campo de treinamento do Exército, com apoio de uma muleta.
Fascinado pelo cenário do filme Highlander (1986), que se passa nas regiões montanhosas da Escócia, João tem a aventura nos planos desde o ano passado. A ideia do Everest amadureceu após a conversa com um amigo de treino que já tinha atingido o acampamento-base. “Perguntei sobre a dificuldade e ele me respondeu: ‘você tem só uma perna, conseguiria ir?’ E eu: ‘treino o mesmo que você. Por que não?'”, lembra.
De lá para cá, correu para viabilizar a viagem. Conseguiu patrocínio financeiro de duas empresas e apoio com outras necessidades, como fisioterapia, suplementação, teste de força e próteses. “Levarei ao menos duas (próteses de joelho). Estou vendo a possibilidade de um eletrônico e um pneumático, que não sofrerá tanto com a altitude”, detalha.
Ele tem exemplos em quem se inspirar. Em 2018, o chinês Xia Boyu, amputado das duas pernas por causa de um câncer em 1996, alcançou o topo do Everest aos 69 anos. Já em 2006, o neozelandês Mark Inglis – que teve as duas pernas congeladas durante uma escalada em 1982 – também chegou ao cume usando somente próteses.
No caso do goiano, apesar da perna direita estar intacta, ele não tem o sistema respiratório completo. “Como tenho a ausência de um dos pulmões, a respiração tem que estar muito bem trabalhada. Por isso, tenho feito uma fisioterapia respiratória, para expandir mais o pulmão que está inteiro”, explica.
“Fiz exames, vi minha capacidade pulmonar, realizei exames de força, vi o que precisaria melhorar. Conversei com meus médicos, principalmente os de pulmão e o oncologista. Falei, também, com outra médica, especialista em áreas remotas, e ela disse que se acontecer algum incidente, eu mesmo teria que me resgatar, porque em lugares assim não há muita estrutura, então você tem de ir até um ponto onde um helicóptero possa pousar”, completa.
A fase mais intensa da carga de treinos está chegando ao fim. “A preparação tem sido com o crossfit, que faço há mais de cinco anos. Aí, adicionei musculação, caminhadas de cinco quilômetros com pesos que simulem as mochilas que vou carregar. Quando chegar mais perto, posso diminuir a intensidade e descansar mais. Será uma viagem longa, muitas horas de voo, e lá só terei um dia de descanso antes de começar a subida”, afirma.
João está com tudo organizado para o desafio. Falta só deixar a família mais tranquila. “Eles são tudo para mim. Sempre me apoiaram, principalmente na fase conturbada dos tratamentos. Mas, quando falei que iria para o Everest, não gostaram muito (risos). Minha irmã, às vezes, não gosta quando coloco imagem de montanha. Mas, de certa forma, eles entendem que esses desafios fazem parte da minha vida, da minha história”, comenta.
História que começou debaixo d’água. João foi nadador por 14 anos, começando antes mesmo do câncer. Após a doença, aderiu à natação paralímpica, convivendo com astros da modalidade, como os medalhistas Daniel Dias e Clodoaldo Silva. Competiu na classe S9 (entre a categorias físico-motoras, que são 10, é uma das de menor comprometimento) e quase foi à Paralimpíada de Atenas, na Grécia, em 2004. “Fiz o índice, mas, para a convocação, o critério era ter marca em mais de uma prova”, recorda.
João deixou as competições nas piscinas, mas nunca o esporte – que o acompanha desde o Colégio Militar onde estudou em Goiânia. “O esporte me ajudou a recuperar rápido das cirurgias e da quimioterapia. Eu cheguei a pesar 54 quilos. Eu tenho 1,85m, então imagina como eu estava magro. Mas sabia que iria me recuperar porque meu corpo estava preparado”, destacou o atleta, formado em gestão financeira e que hoje é palestrante.
A estimativa é que a aventura no Everest dure em torno de 20 dias. Para João, concluir o desafio será deixar uma mensagem de superação. “O câncer me apareceu cinco vezes em 15 anos. Mesmo assim, eu me formei, fiz pós-graduação, consegui ser atleta e continuo me dedicando ao esporte, porque ele é essencial. A doença tentou impedir, por algum momento tive que parar para me cuidar, mas, quando voltei, corri atrás dos objetivos. A cada dia, são pequenas vitórias que, no fim, somam-se numa vitória grandiosa”, encerra.
Edição: Sergio du Bocage
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